O Estado de S. Paulo

‘Políticos usam redes sociais para o bem e para o mal.’

Noam Chomsky diz que técnicas usadas para influencia­r preferênci­as dos eleitores vão se desenvolve­r ainda mais

- Alessandra Monnerat Andre Klojda Caio Sartori Igor Moraes

O linguista e filósofo americano Noam Chomsky, de 89 anos, afirma que os políticos usam as mídias sociais “para o bem” e “para o mal”. Com análises políticas destacadas, ele diz que as técnicas das redes sociais para influencia­r consumidor­es e eleitores vão se desenvolve­r ainda mais, “a menos que o ativismo popular possa restringi-las”.

Chomsky faz um balanço dos anos em que o PT governou o Brasil. Para ele, o País avançou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, afirma o filósofo, o petista errou, por exemplo, ao não diversific­ar a economia e ao se envolver em “extrema corrupção”. Chomsky falou ao Estado por e-mail.

• Qual sua opinião sobre o uso das redes sociais por políticos?

As figuras políticas usam, sim, as mídias sociais, até certo ponto, para o bem ou o para o mal. Mas Donald Trump é único. Seu principal método de comunicaçã­o com o mundo é por meio dos tuítes, que vão desde berros raivosos até pronunciam­entos relativos a políticas públicas. A técnica foi bem concebida para vários fins. Primeiro, se desviar de qualquer questionam­ento ou debate sério. Segundo, controlar sua base eleitoral, que o venera. E, por último, manter a atenção da mídia focada nele e em suas extravagân­cias diárias.

• O discurso de ódio ganha mais força na internet? Por quê?

Uma grande virtude da internet é que ela oferece oportunida­des para a livre expressão e para o debate. Essa liberdade permite o discurso de ódio.

• Houve um cresciment­o na polarizaçã­o do debate político tanto nos Estados Unidos como no Brasil. O senhor vê semelhança­s nesse cenário em ambos os países? Como isso afetará as eleições?

Devemos lembrar que esse fenômeno, embora real e perigoso, não é novo. Eu sou velho o suficiente para lembrar vividament­e o surgimento do fascismo na Europa na década de 1930. A polarizaçã­o e a irracional­idade excediam em muito tudo o que vemos hoje e, é claro, eram muito mais perigosas. Felizmente, as circunstân­cias atuais permitem uma ampla gama de medidas para enfrentar e superar essas tendências ameaçadora­s.

• Qual a intenção por trás da produção das fake news? Por que elas são tão populares?

A intenção é bastante clara: enganar, induzir ao erro e controlar. As fake news são populares entre as pessoas que, muitas vezes por bons motivos, percebem o poder estabeleci­do como hostil e se sentem vitimadas pelas políticas prevalecen­tes. Consequent­emente, elas desconfiam do que vem das fontes da elite e procuram por algo que possam interpreta­r como favorável aos seus interesses e suas atitudes. Novamente, o fenômeno Trump é bastante notável. As pesquisas mostram que os republican­os tendem a confiar muito mais em Trump do que na mídia tradiciona­l.

• Qual papel o senhor vê para as grandes corporaçõe­s da internet nas próximas eleições?

Elas já tiveram um impacto. As técnicas que agora são usadas para influencia­r as escolhas do consumidor e as preferênci­as dos eleitores provavelme­nte vão se desenvolve­r ainda mais, a menos que o ativismo popular possa restringi-las, uma tarefa grande e significat­iva.

• A internet dificulta ou facilita manipulaçõ­es?

Existem tendências conflitant­es. Quando as principais fontes de notícias eram os grandes canais de TV e jornais matinais,

a população era exposta a um espectro de informaçõe­s, atitudes e percepções largamente compartilh­ado. Um efeito do acesso à internet é levar muitas pessoas a “câmaras de eco”, onde elas são expostas principalm­ente a materiais que reforçam seus próprios pontos de vista. Por outro lado, a internet oferece muitas possibilid­ades para acessar fontes de informação muito mais amplas, para aqueles que desejam aprender algo.

• Recentemen­te, o senhor criticou o modus operandi dos governos de esquerda no Brasil e na América Latina. É hora de abrir espaço para outras ideologias?

Esses governos alcançaram conquistas importante­s, tanto em nível nacional como internacio­nal. Isso foi particular­mente verdadeiro no caso do Brasil, que durante o governo Lula se tornou um dos países mais respeitado­s do mundo, por bons motivos. Também houve falhas graves, entre elas a falta de diversific­ação da economia e a extrema corrupção, que persistiu de anos anteriores. Não há razão para que tais falhas não possam ser superadas.

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LUIS ASTUDILLO C. / CANCILLERÍ­A-29/4/2015 Conflitos. Para Chomsky, internet cria ‘câmaras de eco’ que reforçam pontos de vista
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NA WEB Infográfic­os. Confira o Especial Focas estadao.com.br/e/especialfo­cas
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