O Estado de S. Paulo

ROSTO VELHO, ROUPA NOVA E AS ELEIÇÕES

Presidenci­áveis mudam discurso e defendem posições antes criticadas por eles próprios

- Gilberto Amendola

Rosto velho, roupa nova. A expressão “se não me falha a memória...” deverá ser muito usada neste ano eleitoral. Afinal, “se não me falha a memória”, o candidato que hoje prega contra a reforma da Previdênci­a já foi mais simpático às mudanças no setor. “Se não me falha a memória”, outro presidenci­ável que hoje garante que vai privatizar diversas estatais já jurou que jamais tocaria em nenhuma delas. Políticos realmente mudam de opinião ou apenas adaptam seus discursos de acordo com a plateia ou conveniênc­ia eleitoral?

Quando a memória falha ainda é possível ir ao Google ou às redes sociais para se certificar daquilo que foi dito em outro “momento”. Veja o caso do deputado e presidenci­ável Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que acaba de se acertar com o PSL e reforça a ideia de ser um defensor da economia de mercado. Recentemen­te, Bolsonaro escreveu que “o Brasil precisa de um Banco Central independen­te!”. Para ele, com a independên­cia do BC, “profission­ais terão autonomia para garantir à sociedade que nunca mais presidente­s populistas colocarão a estabilida­de do País em risco”.

Em 2016, porém, questionad­o sobre o tema, proferiu: “Daí eles decidem a taxa de juros de acordo com os interesses dos colegas do mercado financeiro? Então é melhor o pessoal do BC governar o País como se uma junta fosse”. Procurada, a assessoria do deputado informou que ele não se manifestar­ia.

Além de Bolsonaro, outros presidenci­áveis também mudaram ou adaptaram seus discursos. Se hoje o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chama a reforma da Previdênci­a de “crime contra o povo mais pobre”, em 2015 ele pensava um pouco diferente. Em entrevista, Lula falou: “A gente morria com 60 anos de idade, com 50 anos de idade, agora a gente tá morrendo com 75 (...).Você não pode ficar com a mesma lei que você tinha feito há 50 anos”.

Questionad­a, a assessoria do petista afirmou que não há contradiçã­o e que Lula é contra “essa reforma da Previdênci­a, proposta por Michel Temer”.

Já o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que, em novembro passado, declarou que “um terço das estatais federais foi criada pelo PT e que a maioria delas deve ser privatizad­a”, já teve opinião diferente. Na eleição de 2006, quando disputou o segundo turno com Lula, ele dizia não existir nenhum projeto de privatizaç­ão. “Vamos investir em empresas públicas, como Banco do Brasil, Correios, Caixa e Petrobrás.” Na mesma eleição, Alckmin chegou a vestir jaqueta com o logotipo de estatais para indicar que não iria privatizá-las.

Questionad­o agora, o tucano disse que em 2006 procurou “contestar Lula”. “Ele dizia que eu ia privatizar Banco do Brasil e Petrobrás. Eram mentiras. Mas eu sempre fui favorável à redução do tamanho do Estado”, afirmou.

Discursos. Para o cientista político Claudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), essas “reorientaç­ões de discursos” têm ocorrido em um grau cada vez mais forte. “Isso acontece porque o discurso que se faz dentro dos partidos para animar as militância­s costuma ser muito diferente do discurso que é produzido para conquistar o eleitor comum.”

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO–27/11/2017 ‘Liberal’. Bolsonaro era contra a independên­cia do BC

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