Cartes luta contra lei que combate contrabando de cigarro
Opositores alegam que líder paraguaio tenta barrar projeto porque ele prejudicaria negócios de sua empresa tabagista
Uma lei para aumentar os impostos sobre o cigarro e rastrear o produto, desde sua produção no Paraguai até seu destino, e evitar o contrabando, tornou-se objeto de disputa política no país a meses da eleição presidencial de abril. A tendência é que a proposta, aprovada no Senado, passe pela Câmara em março após o recesso, mas seja barrada pelo presidente Horacio Cartes, dono da maior empresa de tabaco do país.
O imposto, segundo o texto, subiria de 16% para 30%. “O Paraguai é considerado o maior produtor de tabaco da região e o contrabando de cigarros está vinculado à lavagem de dinheiro e ao financiamento de grupos terroristas. Com a lei atual, sabemos quem é a primeira pessoa a comprar do produtor, mas não o que acontece depois”, diz a senadora Desirée Graciela Masi Jara, do Partido Democrático Progressista, uma das que apresentou a proposta.
A aprovação da lei no Senado ocorreu com o voto favorável de 29 senadores. O Executivo é contra a nova regulamentação e argumenta que o setor tabagista é o maior empregador do país. Cartes é dono da Tabesa, maior empresa tabagista do país e uma das maiores exportadoras do produto para os Estados Unidos – segundo estimativas dos senadores, ela produz 3 bilhões de caixas de cigarros por ano.
Um dos países mais afetados pelo contrabando é o Brasil, fato que foi citado pelos senadores paraguaios durante a discussão da lei, em dezembro. Em 2016, segundo dados do Grupo de Proteção à Marca, o Paraguai produziu 45 bilhões de cigarros para um consumo interno de apenas 4 bilhões. De acordo com estimativas do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras do Brasil (Idesf), as marcas de cigarro produzidas pela Tabesa dominam até 80% do mercado ilegal de tabaco em cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre.
Desde que o debate sobre a legislação se acentuou, a declaração que teve mais impacto no país foi a do ministro da Saúde, Antonio Barrios. Ele afirmou que só 20% dos casos de câncer de pulmão são resultado do tabagismo – no Brasil, o índice chega a 90%. “Não são muitos. Muito mais pessoas morrem por doenças cardiovasculares ou em acidentes de trânsito do que por câncer de pulmão produzido pelo cigarro”, alegou o ministro. A tentativa de um médico de minimizar os efeitos do tabaco foi condenada por associações de saúde e por políticos. Para Desirée, a declaração “foi um marco”. “O ministro não poderia declarar isso. Mas ele é candidato ao Senado e forma parte do projeto político de Cartes”.
Procurado pelo Estado, o ministro Barrios pediu que a reportagem falasse com o diretor jurídico interino do Ministério da Saúde. Ele respondeu apenas que o ministério não foi consultado antes da elaboração do novo projeto de lei. “Para a lei que está em vigor, sim, fomos consultados”, informou por e-mail o advogado do Ministério da Saúde, Gustavo Irala Villar. O texto atual dá um prazo de seis meses para as empresas se adequarem às mudanças – ou seja, adquirirem o sistema escolhido para rastrear o produto, que pode ser, segundo Desirée, um código de barras por pacote. Em caso de descumprimento, a empresa estaria sujeita a multas.
Manobras. Antes das primárias do Partido Colorado, em dezembro, Cartes usou o palanque de seu candidato, Santiago Peña – derrotado por Mario Abdo Benítez na disputa interna para a presidência – para engavetar qualquer mudança na lei.
A senadora Desirée afirma que já existe um compromisso público de 41 dos 80 deputados da Câmara e, portanto, está otimista sobre a aprovação da lei. “Vai haver um lobby importante das empresas tabagistas, mas o presidente não controla mais a Câmara”, disse Desirée.
Analistas consultados pelo Estado acreditam que, como os deputados voltam a trabalhar apenas em março, a votação na Câmara deve ocorrer perto da eleição presidencial, em abril. Com isso, a lei pode ser sancionada pelo próximo presidente paraguaio.