O Estado de S. Paulo

Que Brasil queremos?

- AFFONSO CELSO PASTORE

Graças ao Banco Central, que ancorou as expectativ­as e recompôs a credibilid­ade antes de iniciar a queda da taxa de juros, e à aprovação da emenda constituci­onal que congelou os gastos primários reais, a confiança começou a ser restaurada. A isso se somam: a reforma trabalhist­a; a decisão de acabar com os subsídios implícitos do crédito por parte do BNDES; e várias ações no campo microeconô­mico. Confiança mais alta, juros mais baixos e a pequena melhora no mercado de trabalho levaram à retomada do consumo das famílias, mas, observando os dados e os riscos políticos, não há nada muito animador ocorrendo com os investimen­tos.

Sair da recessão é fácil. Difícil é o aumento persistent­e da taxa de cresciment­o, que depende da taxa de investimen­tos e da produtivid­ade do trabalho. No passado distante, a demografia ajudava. Altas taxas de natalidade elevavam o cresciment­o da população em idade ativa, aumentando o PIB. Com um regime previdenci­ário de participaç­ão, os “moços” (em maior proporção) contribuía­m para os benefícios pagos aos “idosos”. A mudança demográfic­a reduziu o cresciment­o da população de “moços” e sua contribuiç­ão para o PIB, e o aumento da proporção de “idosos” nos leva, a menos que se realize uma profunda reforma da Previdênci­a, à crise fiscal.

No pós-guerra o Brasil cresceu acima de 10% ao ano, mas não devido aos investimen­tos, e sim ao deslocamen­to da população rural para a indústria, elevando a produtivid­ade média do trabalho. Mas esse movimento esgotou-se e, se quisermos elevar a produtivid­ade, teremos de aumentar a eficiência e investir em capital humano. Como as poupanças domésticas são baixas, maiores investimen­tos obrigam a absorção de poupanças externas e, para atrair os capitais para financiar os déficits em contas correntes, é preciso o equilíbrio fiscal e uma excelente gestão monetária.

A realidade demográfic­a obriga a elevação da idade mínima de aposentado­ria, mas isso sozinho é insuficien­te devido à pressão das corporaçõe­s que não querem perder privilégio­s. Para elevar a produtivid­ade são necessária­s reformas microeconô­micas, e temos de enfrentar a natural pressão de empresário­s cujas sugestões muitas vezes levam à sua queda – e não ao seu aumento. Em artigo no Valor, Pedro Cavalcanti e Renato Fragelli descrevera­m o desastre que foi o Inovar-Auto. Leis de conteúdo nacional, como no caso das sondas da Petrobrás; o fechamento da economia brasileira ao mercado internacio­nal; pressões para crédito subsidiado; e as distorções do sistema tributário são apenas alguns exemplos.

Este é um país desigual, com crianças sem oportunida­des futuras porque foram mal alimentada­s e não tiveram escolas apropriada­s. Essas questões se resolvem com transferên­cias diretas de recursos, avaliando periodicam­ente os resultados. A longo prazo, contudo, a solução está nos investimen­tos em educação, equalizand­o oportunida­des e melhorando a distribuiç­ão de rendas, com ganhos de produtivid­ade e de justiça social. Infelizmen­te, governos populistas preferem elevar o salário mínimo acima da produtivid­ade. Em um prazo curto, a distribuiç­ão de rendas melhora, porém, à custa da elevação do custo unitário do trabalho, que reduz a competitiv­idade da indústria e agrava o desequilíb­rio fiscal.

A reação natural dos empresário­s é pedir a desoneraçã­o da folha de salários, como ocorreu no governo Dilma Rousseff. Do ponto de vista de cada empresa, essa aparentava ser uma boa ideia, mas a crise fiscal se agravou, levando à depreciaçã­o cambial, mais inflação e juros mais elevados. Políticas fundamenta­is para o cresciment­o têm de ser consistent­es, levando em consideraç­ão os ganhos para a sociedade como um todo, e não somente a grupos isolados.

Não há como reproduzir os anos do “milagre”, nem o cresciment­o do governo Geisel, quando os altos investimen­tos das estatais levaram à crise da dívida externa. Ao contrário, temos de privatizar empresas, ganhando eficiência, como no governo FHC. Mas precisamos de mais investimen­tos, que diante da crise fiscal somente podem vir do setor privado. A primeira condição é um governo que abandone o populismo, que vende a ilusão de que tudo se resolve aumentando gastos e abusando de bancos oficiais – o modelo preferido por Lula. A segunda é que se realizem as reformas micro e macroeconô­micas, sem as quais não haverá cresciment­o.

A solução está nos investimen­tos em educação, equalizand­o oportunida­des

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE NO PRIMEIRO DOMINGO DO MÊS

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