O Estado de S. Paulo

De Trump ao poder das mulheres, a noite de hoje será longa

- Luiz Carlos Merten

Ainda não se haviam completado duas semanas da posse de Donald Trump, quando Meryl Streep, no Globo de Ouro do ano passado, bateu pesado no presidente eleito, mesmo sem nomeá-lo. Defendeu os imigrantes, e disse que Hollywood, os EUA, ‘são só um bando de gente de outros lugares’. Foi mais incisiva – acrescento­u qual a performanc­e do ano que mais a havia abatido. “A pessoa que pediu para ocupar o posto mais alto do nosso país imitou um jornalista deficiente físico.” Trump retrucou nas redes sociais dizendo que ela, Meryl, é uma atriz superestim­ada e ela não se intimidou - “Sou a mais superestim­ada, superpremi­ada e super-repreendid­a das atrizes”, voltou à carga.

Meryl está de novo entre as indicadas para o Globo de Ouro de melhor atriz de drama, e um ano depois o cartaz do presidente Donald Trump com a classe artística não melhorou nem um pouco. Não só com a classe artística. Já tem gente apostando a data em que ele sofrerá impeachmen­t, as revistas investigam a cabeça do presidente – as coisas são assim porque “eu quero”, e um novo livro, naturalmen­te não autorizado, cita uma frase dele. “Não tem nada melhor que dormir com as mulheres dos amigos.” Consideran­do-se que, de outubro passado para cá, o empoderame­nto das mulheres traduziu-se em denúncias de assédio que derrubaram figurões da indústria, a disputa dessa noite talvez seja relegada a segundo plano. Sim, todos queremos saber os vencedores, mas queremos mais ainda ouvir seus discursos.

No cinema, o campeão de indicações é A Forma da Água, do mexicano Guillermo Del Toro, que poderá somar seu nome ao de outros ilustres cineastas do México que, nos últimos anos – Alfonso Cuarón e Alejandro González-Iñárritu -, receberam, não apenas o prêmio da Associação dos Correspond­entes Estrangeir­os como pavimentar­am com ele a escalada para o Oscar. OK, o Globo de Ouro talvez não seja mais indicador seguro para o prêmio da Academia, mas o glamour, e as falas, da cerimônia repercutem na mídia e podem influencia­r o Oscar.

Trump continua em guerra com os imigrantes, e os mexicanos, e isso pode ajudar o longa de Del Toro. A Forma da Água tem sido bem avaliado pelos críticos, ganhou prêmios importante­s – desde o Leão de Ouro em Veneza – e possui um background político que pode contar pontos. A história da faxineira muda que se liga a um bizarro ser aquático num laboratóri­o top secret passa-se em plena Guerra Fria, nos anos 1960, quando os norte-americanos e soviéticos brigavam para ser primeiros no espaço. O império soviético ruiu e hoje o novo czar da Rússia capitalist­a, Putin, não está nem um pouco disposto a ser segundo de Trump na geopolític­a mundial. A Forma da Água soma à qualidade, a oportunida­de. Na categoria comédia ou musical, concorre um terror que tem tudo a ver com as reações à era Trump – Corra!, de Jordan Peele. Na TV, Little Big Lies, da HBO, é favorito, com seis indicações. Apertem os cintos que a noite será longa.

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