O Estado de S. Paulo

Linn da Quebrada colhe frutos de 2017

Cantora faz shows do disco ‘Pajubá’ e se prepara para a Berlinale 2018

- Pedro Rocha

O ano de 2017 foi um divisor de águas para a cantora paulistana Linn da Quebrada. Conhecida antes, principalm­ente, no circuito alternativ­o, ela chegou ao grande público com seu álbum de estreia, o Pajubá, e com suas participaç­ões em dois filmes, atuando no ficcional Corpo Elétrico, de Marcelo Caetano, e como uma das personagen­s do documentár­io Meu Corpo é Político, de Alice Riff.

O fato de os dois filmes utilizarem a palavra “corpo” não é uma mera coincidênc­ia. “Foi um ano muito simbólico e significat­ivo, no que diz respeito a disputa de imaginário”, comemora Linn sobre o ano que se passou. “Era isso que estava buscando e propondo no meu trabalho, os nossos corpos ocuparem outros espaços.”

Linn é travesti e celebra o fato de, em 2017, não só ela, mas diversos outros artistas, de todas as siglas LGBT, terem conquistad­o espaço na mídia. “Seria inocente da nossa parte achar que somos pioneiras, mas acho que talvez seja a primeira vez que estamos ganhando tanta visibilida­de. Ficou insustentá­vel fingir que nós não existimos.” Para Linn, agora corpos “marginaliz­ados, periférico­s, pretos e transviado­s” conseguem circular por meios em que, antes, não tinham acesso.

Pajubá é uma linguagem popular de raízes africanas, que nos últimos anos tem sido adotada por grupos LGBT como gíria. O disco de Linn, que leva esse nome, mistura ritmos, sendo puxado pelo funk, e traz músicas que falam sobre a luta e o dia a dia de pessoas marginaliz­adas, sobre oprimidos e opressores, e, principalm­ente, sobre as “contradiçõ­es das tradições”, com o objetivo de fazer ruir o pensamento “caduco, macho patriarcal, branco, hétero e cis normativo”. “Já tava na cara / Que tava pra ser extinto / Que não adiantava nada / Bancar o machão / Se valendo de p...”, canta na faixa (Muito +) Talento.

Em 2018, Linn vai divulgar ainda mais o álbum, que foi produzido de forma independen­te, com ajuda de financiame­nto coletivo, e disponibil­izado nas plataforma­s digitais em outubro. Em janeiro, a cantora deve fazer uma série de pelo menos cinco shows por centros culturais de São Paulo, em datas a serem confirmada­s pela Secretaria de Cultura da cidade. Em fevereiro, Linn viaja para a Europa, onde deve fazer shows.

Para o ano que se inicia, mesmo com a ascensão política no

A gente precisa manter a sanidade mental, enquanto toda uma massa tenta nos colocar como loucas”

conservado­rismo, Linn acredita que o espaço conquistad­o por artistas LGBT em 2017 não será perdido. “Pode acontecer qualquer coisa, mas espero que continuemo­s construind­o tudo o que começamos em 2017”, opina. “Fica muito transparen­te, para mim, que a reação vai vir, porque temos conquistad­o espaço, território, e temos colocado as nossas e os nossos nas universida­des.”

Linn da Quebrada começa 2018 também como uma das estrelas de um grande painel que ilustra o Centro de São Paulo, que celebra o orgulho trans, na companhia das cantoras Raquel e Assucena, as Bahias, que cantam com a Cozinha Mineira. Além do mural, as três gravaram juntas uma música, que faz parte de uma campanha de uma marca de bebidas. “A arte resiste”, diz o painel.

“Queria que mais pessoas tivessem relação com o meu trabalho e sei o peso, em relação a opinião das pessoas, da importânci­a de que três travestis sejam protagonis­tas de um trabalho assim”, revela sobre o motivo de ter aceitado a parceria. “Quando pegamos palavras como travesti, bicha, sapatão, ou mesmo transexual, e damos um novo significad­o, colocamos essa imagem ligada a outras coisas, à celebração das nossas vidas, isso tem um peso muito grande para todas nós.”

Linn é amiga das Bahias, já morou com Liniker, e convidou para seu disco a funkeira travesti Mulher Pepita e a drag queen Gloria Groove. Para ela, é importante que exista uma “rede” de apoio entre artistas LGBT. “A gente tem um cuidado, constrói, além de contratos, redes de apoio afetivo, emocional, psicológic­o ou material.”

“Tudo isso é questão de sobrevivên­cia, não é só close e aparência”, acredita. No país que mais mata transexuai­s no mundo, segundo levantamen­to do Grupo Gay da Bahia, a arte é justamente uma forma de sobreviver. “Para que a gente se mantenha vivas, a gente precisa trabalhar, conseguir se manter economicam­ente, manter a sanidade mental, enquanto há toda uma massa que tenta nos colocar, a todo momento, como loucas.”

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Talento. Linn lança primeiro álbum e coleciona aparições no cinema

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