Entre o conforto e o incômodo
Para alguns profissionais, ela também valoriza o imóvel; mas o uso do espaço para festas e reuniões provoca reclamações de vizinhos
Presente em grande parte dos
projetos atuais de apartamentos, o terraço se uniu à sala, virou gourmet e facilita a venda do imóvel, mas seu uso recreativo causa barulho e reclamações de vizinhos
Antes, elas eram só o espaço do descanso para dias quentes e da churrasqueira. Então veio a pia, a mesa de jantar, o frigobar e, em alguns casos, até TV. Removeram as portas, nivelaram o piso, e a varanda se tornou uma extensão da sala. Hoje, construtoras já preparam o espaço para integrá-lo ao resto do apartamento desde a concepção do projeto. Mas se por um lado a ascensão das varandas gourmet pode ajudar a vender mais fácil o imóvel, ela também criou problemas de convivência: moradores passaram a usar a área para eventos de pequeno porte e incomodam os vizinhos.
Atualmente, há incorporadoras que já evitam colocar vigas na área da porta que separa sala e varanda, para facilitar a unificação de ambas. Além disso, o espaço gourmet integrado à área social costuma valorizar o preço do imóvel e despertar mais interesse não só na hora da venda, mas também para locar. O acréscimo no valor do negócio varia de acordo com o tamanho do terraço e da área interna.
Imóveis com essa característica costumam ser ao menos 10% mais caros, dependendo da situação, segundo o especialista em Direito Imobiliário Rodrigo Iaquinta. “Em um apartamento de 30 metros quadrados e uma área gourmet de 10 m², por exemplo, isso com certeza vai afetar mais no valor do que em um apartamento que já é grande, com uma varanda também grande”, afirma.
No entanto, a diretora comercial da corretora Coelho da Fonseca, Fátima Rodrigues, faz uma análise um pouco diferente. “A varanda gourmet traz mais velocidade à venda dentro do empreendimento, mas em termos do valor financeiro não há muita diferença”, diz.
Cuidados. Conforto, iluminação natural e melhor aproveitamento do espaço, somados à tendência de livings cada vez menores, são citados como as maiores vantagens da empreitada, mas é preciso estar atento à estrutura do prédio e à incidência de sol no vidro fechado. Entre as maiores preocupações dos moradores, está o risco de a churrasqueira levar fumaça à sala e aos quartos, o que requer um bom sistema de exaustão para não se tornar um problema.
“Acredito que ela (varanda gourmet) integra as pessoas de uma forma informal, e dá uma sensação de bem estar, como uma casa, porque a abertura para a incidência luz é maior do que uma janela convencional”, diz a arquiteta Bárbara Dundes.
“Dependendo de qual for a face do prédio em que a varanda está, ela pode virar uma estufa quando se faz o envidraçamento, e o morador tem de colocar uma tela solar ou até pensar em um ar condicionado. É muito importante pensar no ‘caminho de sol’, para não precisar investir tanto.”
Antes de reformar seu apartamento, há dois anos, a dermatologista
Rafaela Leal, de 36 anos, procurou se inspirar em projetos de outros moradores do prédio. Quando viu exemplos de quem manteve a porta de correr para separar o terraço, não gostou. Com uma área total de 100 m² no imóvel, dos quais cerca de metade estão no living, ela optou por integrar varanda, sala, copa e cozinha.
Assim, conseguiu instalar um sofá maior, que ocupa parte da área da antiga sacada, e abriu espaço para uma mesa de jantar que comporta até oito lugares.
Uma das principais preocupações era isolar o maquinário do ar condicionado, que precisa ficar em contato uma área externa para funcionar. A peça acabou escondida atrás do móvel da TV, de forma praticamente imperceptível para quem está na sala.
“A ideia é realmente ficar muito integrado. Se você entrar em dois apartamentos com a mesma planta, você pode perceber que a sala fica muito maior (com a varanda gourmet), parece que é outro apartamento”, alega o arquiteto Felipe Luciano, do escritório Estudio FCK, responsável pelo projeto.
Para Rafaela, a obra também acabou valorizando a vista do 17º andar, de onde se vê uma das regiões mais arborizadas do Campo Belo. “É o ambiente em que eu mais gosto de ficar”, conta. Como não costuma receber mais muitos amigos de uma vez, ela diz que nunca teve problemas com reclamações de barulho. “Fechamos o vidro e ficamos no nosso cantinho, às vezes colocamos uma música e, lógico, depois das 22 horas nós abaixamos o volume.”
Síndicos de condomínio dizem que o problema é recorrente. Muitas vezes, os proprietários escolhem a varanda gourmet para fazer festas, com casos até de música ao vivo e videokê no local. Síndicos dizem que a frequência de notificações e multas por barulho é maior. “Existe morador que instala uma chopeira na varanda t e fica o dia inteiro fazendo festa, instala mesa de sinuca, videokê na varanda, e por aí vai”, diz Mauro
“Dependendo da face do prédio em que está, a varanda pode virar uma estufa, quando se faz o envidraçamento” Bárbara Dundes ARQUITETA
Possatto, síndico profissional responsável por 14 prédios na capital. “É muito comum ter esse tipo de problema.”
Migração. Para o advogado Wagner Costa, especializado em Direito Imobiliário e síndico profissional há cinco anos, há moradores que migram de casas para edifícios e fazem do terraço seu quintal, esquecendo de quem vive há poucos metros, nos andares abaixo e acima.
Costa é responsável por dois condomínios em São Paulo em que há grande quantidade de varandas gourmet. Ele afirma que o problema costuma gerar multas, em média, uma vez a cada dois meses, e há notificações ao menos uma vez a cada quatro semanas. “Claro que (a varanda gourmet) torna-se um fator de influência para o morador se exceder, e esquecer que tem vizinho.”
Nem todo mundo, porém, adota a integração. Com uma sacada de 40 metros quadrados à sua disposição, a arquiteta Denise Barretto resolveu manter o espaço aberto. Também optou por não instalar churrasqueira, pois queria que a área servisse mais para conversas despojadas do que para refeições. Com muitas plantas distribuídas entre cadeiras e mesas, a área está aberta para a entrada de ar fresco.
“Nós efetivamente queríamos ter tudo diferente: o piso na varanda é diferente da sala, porque eu queria uma coisa que resistisse mais às intempéries, os móveis e a ambientação é mais despojada”, diz Denise. “Num espaço aberto, há outra relação com o dia, ou com a noite, o céu e a lua, e parece que as conversas no terraço são diferente das conversas na sala.”