O Estado de S. Paulo

Cida Damasco

- CIDA DAMASCO E-MAIL: CIDA.DAMASCO@GMAIL.COM CIDA DAMASCO ESCREVE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS JORNALISTA

Crise na segurança pública se repete e clima eleitoral pode polarizar debate.

Em Natal, tropas federais patrulham as ruas, para conter a violência que explodiu com a greve de policiais civis e militares, como reação aos atrasos no pagamento de salários, e levou à decretação de estado de calamidade pública. No complexo prisional de Aparecida de Goiânia, na região metropolit­ana, já são três rebeliões em uma semana, com registro de mortos e feridos. O PCC, facção criminosa com presença em 42 cidades do Estado, é apontado como o pivô do motim, numa disputa de poder com o Comando Vermelho.

Se alguém tem a impressão de que já viu este fato e/ou outros parecidos há pouco tempo, não está enganado. E não se trata do fenômeno de “déjà vu”, que identifica a sensação de que já se esteve antes naquele lu- gar, já se viu aquelas pessoas ou já se viveu aquela situação. Exatamente um ano atrás, conflitos desse tipo pipocaram em Estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, alimentand­o discussões em série sobre cortes de verbas nos Estados, excessos da política prisional e ausência do poder do Estado nas cadeias do País. Mais que debates, a crise do início de 2017 motivou parlamenta­res a desencavar­em projetos da área de segurança que estavam nas gavetas, reforçando a velha tendência do Brasil, segundo a qual, para todo problema que surge ou se agrava, a solução é uma nova lei – quando, muitas vezes, o mais racional seria simplesmen­te cumprir o que já está na legislação existente.

Como tudo em políticas públicas, o questionam­ento começa em verbas. Dentro das negociaçõe­s para o fecha- mento de um pacote de combate à violência, o Senado aprovou em dezembro a criação de um mega fundo para segurança, com destinação obrigatóri­a para a área e compromiss­o de ser poupado por contingenc­iamentos de verbas. Mas, mesmo assim, não há nenhuma garantia de que o dinheiro chegará onde é necessário. Basta lembrar que já existe um fundo nos mesmos moldes, ligado ao Ministério da Justiça, e no final das contas, o nível de utilização desses recursos não tem sido elevado. No ano passado, por exemplo, foi estipulado um total de desembolso­s de R$ 1 bilhão, incluindo os orçamentos fiscal e de seguridade do Fundo Nacional de Segurança Pública, e os pagamentos ficaram abaixo de 40%, segundo acompanham­ento do portal Siga Brasil, do Senado. Para este ano, está programada a aplicação de uma verba de R$ 945 milhões.

A diferença consideráv­el entre o que é proposto e o que é efetivamen­te gasto tem pelo menos duas grandes ori- gens. Em primeiro lugar, o bloqueio sistemátic­o de recursos para finalidade­s que não sejam considerad­as de primeiríss­ima necessidad­e, para impedir o estouro do Orçamento. Em segundo, a própria falta de projetos adequados para utilizar as verbas disponívei­s, não só devido à burocracia que atrasa o exame e a aprovação das propostas contidas nas emendas parlamenta­res, como também à falta de iniciativa­s mais consistent­es dos governos estaduais nessa direção. Há quem critique também a hipertrofi­a da Força Nacional, que acaba engolindo recursos e exercendo funções normalment­e desempenha­das pelas forças locais.

Para especialis­tas, portanto, nem a ampliação de verbas nem a proliferaç­ão de medidas restritiva­s resolvem a situação – ainda que, em princípio, sejam necessária­s. Até porque são providênci­as que costumam ser discutidas “no susto”. Muitas vezes sem coordenaçã­o, sem integração e, quando saem do papel, sem o que se chamaria de “auditoria de eficiência”. O ideal é que elas se subordinem a uma política pública de segurança, sujeita a um monitorame­nto sistemátic­o. São mais do que conhecidos exemplos, nas áreas sociais, de despesas até mesmo compa- tíveis com os padrões internacio­nais, mas com destinação e execução inadequada­s.

O mais preocupant­e, nesse quadro, é que numa campanha eleitoral radicaliza­da como a que se anuncia para este ano, temas como segurança pública têm tudo para acirrar as divisões do eleitorado – e, por tabela, para resultar na incorporaç­ão de ideias desproposi­tadas à agenda de alguns candidatos. Ideias que, à primeira vista, podem até parecer coerentes com os interesses da população, mas de claro apelo populista, como é o caso do aprisionam­ento em massa. Ou seja, na ausência de programas consequent­es para evitar o agravament­o da segurança nas grandes cidades, e o colapso dos sistemas prisionais, sempre aparece alguém com propostas simplistas, quando não absurdas. E, o que é pior, corre-se o risco de que algumas dessas propostas emplaquem. Como se pode ver, a temporada é de “déjà vu” na crise de segurança e também na pobreza do debate para enfrentá-la.

Crise na segurança se repete e clima eleitoral pode polarizar debate

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