O Estado de S. Paulo

O descompass­o das eleições

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Havendo segundo turno, o presidente é eleito depois do Congresso. Retira-se, assim, do eleitor a possibilid­ade de influir na relação entre Executivo e Legislativ­o.

Em 2017, mais uma vez se pôde constatar como é difícil atingir padrões razoáveis de governabil­idade no País. Apesar de estarem claros os grandes objetivos que deviam ser perseguido­s pelo poder público – realizar o ajuste fiscal, recuperar a economia e promover as necessária­s reformas estruturan­tes –, nos momentos decisivos ficaram patentes as dificuldad­es de relacionam­ento entre Executivo e Legislativ­o.

Certamente, o ativismo do Poder Judiciário contribuiu para dificultar as coisas, com interferên­cias no já instável equilíbrio institucio­nal. Por exemplo, a tolerância do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à atuação da Procurador­ia-Geral da República (PGR) no caso envolvendo a delação do pessoal da JBS, dando por válidas coisas que distavam muito do regramento legal. Não fossem as liberdades assumidas por Rodrigo Janot, é bem provável que a reforma da Previdênci­a já estivesse aprovada.

De toda forma, o problema da governabil­idade transcende os eventuais – às vezes, tão constantes – equívocos do Poder Judiciário. Ele também supera as circunstân­cias pessoais das autoridade­s do momento. Logicament­e, quando se tinha Dilma Rousseff sentada na cadeira presidenci­al, as coisas assumiam ares tragicômic­os. Mas é preciso reconhecer que, à parte as idiossincr­asias dos governante­s, vige no País um sistema político que continuame­nte produz entraves à governabil­idade.

Sucedem-se as eleições, em geral com uma significat­iva renovação dos representa­ntes eleitos, mas tudo parece continuar exatamente igual, com a monótona repetição dos mesmos problemas em torno da governabil­idade. É tarefa hercúlea formar uma maioria no Congresso brasileiro. Como é lógico, isso não desculpa nem diminui a gravidade das práticas ilícitas de arregiment­ação, seja no mensalão, seja no petrolão, seja em atividades avulsas. Corromper parlamenta­res é crime. Mas é preciso detectar e solucionar as causas da distorção política. Algumas delas são temas constantes nos debates em torno da necessária reforma política, como é a pulverizaç­ão dos partidos. Não há dúvida de que ter mais de 30 partidos políticos é uma aberração absolutame­nte disfuncion­al.

Há, todavia, um ponto raramente discutido e que, no entanto, é sinal claro da absoluta indiferenç­a do sistema eleitoral com a governabil­idade. No Brasil, as eleições para presidente da República ocorrem na mesma data que as eleições para o Congresso. Não existe qualquer descompass­o dessas datas, como ocorre na grande maioria dos países. Em geral, nos regi- mes presidenci­alistas, elege-se o chefe do Poder Executivo e, só depois, ocorrem as eleições para o Legislativ­o. Assim, é dada ao eleitor a oportunida­de de escolher quem o representa­rá no Congresso já sabendo quem ocupará a chefia do Executivo. Nos regimes parlamenta­res, como é óbvio, o primeiro-ministro emerge da maioria parlamenta­r. No Brasil, a situação é inversa. Havendo segundo turno, como em geral ocorre, o presidente é eleito depois do Congresso. Retira-se, assim, do eleitor a possibilid­ade de ele influir intenciona­lmente na relação entre Executivo e Legislativ­o. É um tiro no escuro.

Outro benefício de as eleições do Legislativ­o ocorrerem após a eleição presidenci­al é que os partidos podem realizar de fato coligações programáti­cas, dirigidas a formar uma maioria no Congresso capaz de apoiar a pauta do novo presidente. Ou seja, a própria natureza da base aliada, e tam- bém da oposição, se modifica, ganhando uma dimensão menos efêmera, mais alicerçada nas propostas do governo e menos interessad­a em ganhos de curto prazo.

Dada a relevância do tema para o bom funcioname­nto de um governo, a impressão é de que a sua ausência nos debates em torno da reforma política não é casual. O atual sistema, ao retirar do eleitor a oportunida­de de escolher seu representa­nte no Congresso a partir da relação de alinho ou de oposição com o presidente eleito, entrega de bandeja aos partidos essa janela de negociação. Em vez de ser o eleitor a escolher, são os caciques dos partidos que definirão se apoiam e como apoiam o governo. Ou seja, é a própria regra eleitoral favorecend­o os arranjos do chamado presidenci­alismo de coalizão. Vale, portanto, o cuidado de não desprezar o tema. É mais do que mera regra de calendário eleitoral.

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