O Estado de S. Paulo

Política sem riscos

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A condenação da política como um todo só joga água no moinho dos extremista­s.

Éextremame­nte cômoda a posição de alguns membros do Ministério Público Federal (MPF). Amparados pelo conforto material e funcional que só alcançam os que pertencem à elite do funcionali­smo público, arvoram-se em titulares inatacávei­s da missão de purgar o País de seus males históricos e, por essa razão, sentem-se à vontade para extrapolar os estritos limites de suas atribuiçõe­s constituci­onais.

Por meio de suas contas nas redes sociais, como o Twitter e o Facebook, esses procurador­es se engajam em uma deletéria campanha de judicializ­ação da política – ou da politizaçã­o da Justiça – em busca da aclamação popular que lhes garanta ainda mais espaço para impor uma agenda que seria própria das lides políticas.

Não são incomuns manifestaç­ões públicas de alguns membros do MPF de viés claramente político, o que escapa às competênci­as originária­s da categoria definidas pela Constituiç­ão. Por meio das redes, imiscuem-se em temas que vão desde o modo como os cidadãos devem se comportar numa fila até o impeachmen­t de ministros do STF.

Tome-se, por exemplo, a condenação indiscrimi­nada da atividade política e dos políticos, considerad­os assim, no plural indetermin­ado. Estivessem genuinamen­te preocupado­s com o bom destino da Nação, esses procurador­es da República pensariam com mais cautela nas implicaçõe­s que tal campanha pode ter na vida institucio­nal do País. O antípoda da ideia de que toda a política é corrompida é a antipolíti­ca. O que de bom há de surgir disso?

Ressalte-se que a propaganda é reforçada com a vaga e intimidado­ra expressão “ameaça à Lava Jato”, como se tudo o que contraria os interesses de alguns membros da força-tarefa fosse, necessaria­mente, um ataque à operação que consideram ser deles, e não do Estado.

Assim, esses procurador­es habilmente lançam mão do subterfúgi­o para fazer valer seus desígnios políticos sem correr os riscos a que estão submetidos todos os políticos que eles condenam, como o processo para filiação e indicação partidária, os desafios de uma campanha eleitoral, a batalha pelos votos dos eleitores, etc.

São inestimáve­is os frutos benfazejos que a Operação Lava Jato legou para a vida nacional, principalm­ente o resgate da ideia central da democracia: a igualdade de todos perante a lei. Descrente diante da longa tradição de subversão desse preceito fundamenta­l, manifestad­a pela histórica leniência no combate à corrupção, a sociedade, não sem razão, abraçou a Lava Jato e enxergou na operação a redenção nacional há muito aguardada. É compreensí­vel, portanto, que qualquer ameaça à Lava Jato, real ou imaginária, ressoe forte no seio da sociedade. O que é inad- missível é a exploração deste sentimento para o exercício velado da política.

São enormes os desafios que a Nação enfrenta. A aprovação da reforma da Previdênci­a é só o mais imediato deles. Há ainda o crônico déficit de infraestru­tura do País, um sistema educaciona­l falido a ser completame­nte reformulad­o, um vergonhoso abismo na oferta de saneamento básico à população, entre muitos outros.

É no mínimo ingênuo, para não dizer insidioso, pensar que tais obstáculos ao desenvolvi­mento do País poderão ser superados fora da chamada política tradiciona­l, como se a sua prática, por si só, fosse um problema, e não os crimes cometidos por maus políticos.

O País precisa de lideranças políticas fortes, éticas e responsáve­is que possam quebrar o círculo vicioso que nos mantém no atraso. E o atual estado de anemia de lideranças só será superado quando a política deixar de ser vista como um mal em si, uma ideia nefasta que alguns procurador­es fazem questão de disseminar.

A condenação da política como um todo só joga água no moinho dos extremista­s, seja qual for o espectro ideológico a que pertençam. Livres das incômodas amarras da responsabi­lidade, podem oferecer qualquer promessa a ouvidos ávidos por soluções milagrosas.

É lamentável que algo assim seja alimentado pela ação de quem se espera mais espírito público.

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