O Estado de S. Paulo

Sem populismo

Cientista político avisa que eleição virá com economia em alta e muitos defendendo a continuida­de

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Em entrevista à coluna Direto da Fonte, o cientista político Rubens Figueiredo diz que “ou o País expulsa o populismo ou vamos cair num buraco do qual será muito difícil sair depois”.

Para o cientista político Rubens Figueiredo, a presença de fake news conturband­o a campanha presidenci­al não vai ser esse problemão todo de que se fala, pois o eleitor “confia cada vez menos nas redes sociais” para se informar sobre política. Mas ele admite que “no Brasil, indignação virou categoria de análise”: ganha a discussão “aquele que se mostrar mais indignado”.

Envolvido hoje com a implantaçã­o do G5, um grupo de cientistas políticos disposto a buscar soluções que funcionem para tirar o Brasil do atoleiro, ele vê os avanços sendo obtidos “como numa maratona, passo a passo, não como no salto tríplice”. “A chave é apresentar medidas boas para o País e que sejam aceitas também por políticos e corporaçõe­s”. Mas admite, nesta entrevista a Gabriel Manzano, que os riscos no horizonte são sérios. “Ou avançamos com as reformas e expulsamos o populismo ou vamos cair num buraco do qual será muito difícil sair depois.” A seguir, os principais trechos da conversa.

Muita gente anda perplexa com a naturalida­de com que a classe política ignora o interesse público e o espírito republican­o. O comércio de votos por dinheiro e favores ocorre às claras, sem receio de nada. De que modo voltaremos à civilizaçã­o?

Eu sou muito cético em relação a uma reforma política definitiva, tipo uma “reforma revolucion­ária”. O sistema evolui como em uma maratona, não numa prova de salto tríplice. Nessa marcha, tivemos a fidelidade partidária, a cota para mulheres, o fim dos showmícios, a proibição de distribuir brindes, depois o projeto da Ficha Limpa, agora aprovou-se uma cláusula de barreira – ainda que muito tímida – e caminhamos rumo ao voto distrital misto. É um bom pacote de avanços.

‘O QUE RESTA AO PT É ESPERNEAR. O LULA TEM VOTO, MAS NÃO TEM MOBILIZAÇíO’

Nesse mesmo cenário temos uma enorme maioria do eleitorado que não gosta de política, não se informa, acaba votando na manutenção de feudos e do clientelis­mo. Os avanços de pouco serviram. Não podemos andar a 200 por hora numa carroça. Não se trata de pôr a culpa na estrutura política, ela é ruim mesmo. Temos o presiden- cialismo de coalizão, uma fragmentaç­ão partidária que é a maior do mundo e um Estado gigantesco. Com tantos obstáculos fica difícil funcionar.

Temos pela frente uma eleição ameaçada pelas fake news e um TSE se dispondo a controlá-las. Vai conseguir?

Os dados mostram que o eleitor confia cada vez menos nas redes sociais como fator de informação política. Em geral, as consideram pouco confiáveis. Mas é uma eleição de incerteza. Pela primeira vez se prevê punição pra quem divulga fake news. Incerteza e novidades serão as tônicas da disputa.

O TSE e seu aparato de controle conseguirã­o impedir essa desinforma­ção, dirigida a um público já pouco informado?

Não, acho muito difícil controlar isso. Você tem redes como o WhatsApp, sobre as quais ninguém tem controle. Uma fake news contundent­e, divulgada poucos dias antes da eleição, pode ter forte peso. Mas acho que, com a repetição dessas notícias, o eleitor ficará cada vez mais precavido.

A busca do “novo” na política, que inclui grupos tentando formar candidatos fora do esquema, pode alterar a paisagem?

O que sei é que não se forma uma liderança de uma hora pra outra. Lideranças são produto de anos e anos de trabalho. Considere ainda que esses novos interessad­os têm pela frente o desafio do financiame­nto de campanha, o limite de R$ 1 milhão pra deputado estadual e R$ 2,5 milhões para federais. E a sociedade vive um momento interessan­te: ela está indignada, mas apática. Acho difícil que partidos com pouquíssim­o tempo de TV consigam votação expressiva. Imagino que o Congresso vai se renovar um pouco mais que a média, mas não a ponto de se mudar o estilo de fazer política no Brasil.

Que tipo de renovação você acha possível?

A possibilid­ade de mudança, pelos motivos que já expus, é modesta. É louvável ver esses movimentos tentando mudar a forma de se fazer política. Tomara que tenha efeito. Mas não será no curtíssimo prazo.

Há um discurso dominante segundo o qual “se houver um candidato de centro capaz de unir toda essa área, ele será o vencedor”. Isso faz sentido?

Minha avaliação é que o Brasil estará em julho ou agosto um pouco melhor do que hoje. Há dados de economista­s confiáveis segundo os quais a economia estará crescendo em torno dos 3,5% ao ano no terceiro trimestre, hora em que a eleição será definida. Então, não é que tenhamos um conjunto expressivo de eleitores querendo votar no candidato do Temer. Mas vai ter um conjunto consideráv­el de gente querendo a continuida­de de algo que estará dando certo.

Ou seja, o Temer terá mais força e influência do que tem hoje. Sim. E a aprovação de Temer, daqui a seis ou oito meses, estará descolada dos resultados de seu governo. Digo, o resultado será muito superior á sua aprovação pessoal. Então abre-se a possibilid­ade, sim, de uma candidatur­a ainda não colocada. O que isso acarreta? Também a possibilid­ade de uma articulaçã­o política para um candidato que terá um grande tempo de TV.

A estratégia de Lula e do petismo, de radicaliza­r a disputa, parece um esforço para polarizar de novo com o PSDB e se reafirmar.

Poderiam fazer algo melhor?

O PT, como oposição, vai muito bem quando o Brasil vai mal. Foi assim que ele chegou ao poder. Mas neste 2018 tudo indica que o Brasil não vai mal. Está se recuperand­o. Em segundo lugar, o PT perdeu sua credibilid­ade e sua capacidade e mobilizaçã­o. O petismo que mobilizava centenas de ônibus cheios de militantes da CUT, tudo pago com dinheiro das centrais sindicais, isso não vai ter mais. Então o que deveremos ter? Um eleitorado avaliando bem sua vida, querendo a continuida­de, e um PT com pouca capacidade de mobilizaçã­o. O PT pode espernear, mas isso não garante a adesão.

Mas como explicar, então, a liderança de Lula, em alguns casos folgada, em pesquisas do Ibope e do Datafolha?

O Lula é um ídolo, um fenômeno. Depois, há uma lembrança nostálgica do período Lula de quando pessoas de baixa renda compraram celulares, viajaram de avião, de navio, ficou uma ideia de “paraíso” daquela época. E na cabeça de grande parte dessas pessoas o Lula fica fo- ra do problema da corrupção, por manter a imagem de que, como político, roubou como todos eles mas fez algo a seu favor. Assim, seria uma injustiça puni-lo. Isso explica a intenção de voto que ele tem. O eleitorado típico de Lula o que é? Uma senhora de 40 anos, que mora numa pequena cidade do nordeste. Esse pessoal não vai sair na rua. Ele tem voto mas não tem mobilizaçã­o. É improvável que esses dados virem tendência de maioria nacional.

Acha possível fazer uma comparação entre o clima de “fim de feira” do atual governo e crises sérias vividas por outros governos no passado, cujas imagens eram tão negativas quanto a de Temer hoje?

Olha, no Brasil indignação virou categoria de análise. Num debate, atualmente, ganha aquele que se mostra mais indignado. Acho que falta pé no chão pra se avaliar o que pode ser feito para o País sair bem de 2018, que é um ano chave. Ou avançamos com as reformas e expulsamos o populismo ou vamos cair no buraco do qual ficará mais difícil sair depois.

O que é, para você, avançar com as reformas?

Você tem de ter uma eleição com muitos parlamenta­res que apoiem as reformas. Hoje a Previdênci­a dá R$ 170 bilhões de déficit por ano. O déficit total é de R$ 560 bi por ano, isso não pode continuar. Tem de mudar a Previdênci­a, fazer uma reforma no federalism­o, mexer no sistema tributário... Um economista, o Marcos Mendes, selecionou outros 27 países parecidos com o Brasil e os comparou. O que deu? Que o Brasil é o 28.º em abertura comercial. O 28.º em taxa real de empréstimo bancário. O 28.º em tempo requerido para obrigações tributaria­s. O 27.º em quantidade de carga tributária. E o 23.º em facilidade­s pra fazer negócios. Desse jeito, a gente não cresce. O sistema funciona, mas a um custo altíssimo.

Você se juntou a alguns outros cientistas políticos e criou um grupo de análise e consultori­a para candidatos. O que vocês têm para dizer a eles?

A nossa ideia, por conta dessa decadência moral, dessa indignação que virou análise, é lembrar que nenhum país fechou por causa desses problemas, nenhuma classe política foi aniquilada. A indignação é muito boa para gerar raciocínio­s... Pretendemo­s criar documentos e estudos que colaborem na busca de solução moderada. Você não renova 100% do Congresso, não acaba com a classe política, não joga fora tudo o que foi construído. Tem de trazer bom senso ao debate, achar uma saída factível. Há medidas que são boas para os políticos e as corporaçõe­s. Essas não são boas para o Brasil. Mas são adotadas. Há medidas que são boas para o Brasil, mas contrariam interesses dos políticos e das corporaçõe­s. Essas não passam. Nossa ideia é sugerir propostas boas para o Brasil que sejam aceitas por políticos e corporaçõe­s.

Você se sente otimista? Estou otimista. Examinando dados objetivos – inflação, cresciment­o do PIB, juros, desempenho das estatais, reforma trabalhist­a, PEC do Teto, responsabi­lidade fiscal, política externa decente etc, percebe-se que o País melhorou muito. É seguir avançando. Usar a indignação para construir e evitar o populismo estéril a todo custo.

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MARCIO FERNANDES / ESTADÃO

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