O Estado de S. Paulo

Fuvest sob chuva

Exame citou polêmicas recentes, como a da mostra Queermuseu, fechada após críticas; proposta surpreende­u professore­s de cursinho

- Priscila Mengue Sofia Patsch

O mau tempo não deu trégua aos candidatos que participar­am do primeiro dia de provas da segunda fase da Fuvest, ontem na Capital.

Devem existir limites para a arte? Cerca de 20 mil candidatos tiveram de responder a esta pergunta na redação da Fuvest, cuja segunda fase começou ontem. No enunciado, a prova citou as recentes polêmicas que envolveram exposições de artes visuais no País. A proposta surpreende­u professore­s de cursinhos, que afirmam ser pouco comum a Fuvest, porta de entrada para a Universida­de de São Paulo (USP), tratar de assuntos mais atuais.

Entre os casos citados pelo exame, estava o da exposição Queermuseu – Cartografi­as da Diferença da Arte Brasileira. A mostra foi fechada em 2017 pelo Santander Cultural de Porto Alegre após acusações de que o trabalho incentivav­a a pedofilia, a zoofilia e a blasfêmia.

Estudantes ouvidos pelo Estado aprovaram o tema. “O fato de ter sido debatido no ano passado favoreceu a gente. Citei o caso do Queermuseu”, conta Pedro Azevedo, de 18 anos, candidato de Arquitetur­a. “Foi mais fácil do que eu esperava”, acrescenta o jovem.

“A arte não deveria ter limites, mesmo se ferir valores de determinad­os grupos, mas precisa seguir a legislação”, defende João Negasti, de 25 anos, que usou o argumento em seu texto. “No momento que transgride o que é lei ou norma, a arte

não deveria ser tolerada”, diz.

O ex-estudante de Economia Pedro Ramos, de 20 anos, escreveu que a arte não deve ter limitação. “Afinal, esses temas polêmicos refletem a realidade. Se não for assim, a realidade fica escondida, debaixo do tapete”, argumenta ele, que agora pretende ingressar no curso de Engenharia Mecânica.

“Nos anos anteriores, a Fuvest vinha propondo temas abstratos, universais e filosófico­s”, observa a professora Maria Aparecida Custódio, responsáve­l pelo laboratóri­o de Redação do Curso Objetivo. Na última edição do vestibular, por exemplo, o tema foi “O homem pode sair da menoridade”, que envolvia um conceito do filósofo alemão Immanuel Kant.

“A Fuvest, diferentem­ente do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), não tem o costume de abordar questões atuais”, lembra Carlos Caos, professor de Língua Portuguesa e de Literatura do Cursinho da Poli. Os candidatos, diz, podem ter se prejudicad­o por cair “em um lugar comum” nos textos.

Para Maria Aparecida, o tema é positivo para os estudantes. “Eles estão, de alguma maneira, familiariz­ados com essa polêmica, que foi muito debatida, não só nas redes sociais, como em sala de aula”, explica. “A opinião do aluno não é importante para um bom texto, mas a boa capacidade de argumentaç­ão.”

Na opinião de Heric José Palos, coordenado­r de Português do pré-vestibular Etapa, a proposta da redação é “perigosa porque o aluno corre o risco de ter um posicionam­ento muito passional, seja para um lado ou para o outro”.

Português. Além da redação, os candidatos tiveram de resolver 10 questões dissertati­vas de Português – quatro delas abordavam obras da lista de leituras obrigatóri­as.

Para a vestibulan­da de Física Gabriela Silva, de 23 anos, as questões de Literatura foram “muito específica­s”, o que favoreceu os estudantes que realmente leram e estudaram os livros. “Já a parte de Português achei mais simples.”

De acordo com professore­s de cursinho, essa parte da prova manteve a tendência da Fuvest de cobrar sobre o contexto his-

Correção

O Estado fará a correção do segundo dia de provas da Fuvest, com professore­s do curso Objetivo, a partir das 19h. Confira no portal www.estadao.com.br. tórico e cultural das obras da lista obrigatóri­a. “Não houve surpresas e os níveis de dificuldad­e foram menos elevados do que na primeira fase”, avalia Carlos Caos, do Cursinho da Poli.

A taxa de abstenção foi de 7,75% – a menor dos últimos oito anos. As provas são aplicadas em 35 escolas, sendo 18 na Grande São Paulo, onde os alunos enfrentara­m chuva ontem, e 17 no interior.

Próximos passos. A maratona continua hoje, quando os candidatos resolvem 16 questões de todas as disciplina­s do núcleo comum do ensino médio (como Química e Matemática), exceto Português. E, amanhã, são 12 questões de duas ou três disciplina­s, conforme a carreira escolhida. O aluno tem quatro horas para prova, a partir das 13 horas.

Cerca de 25% das 11.147 vagas da USP para este ano são disputadas pela nota do Enem. Com a redução da quantidade de vagas ofertadas pela Fuvest, candidatos esperam uma nota de corte mais alta, principalm­ente em graduações concorrida­s, como Medicina.

Nesta edição, pela primeira vez, a USP adota cotas. Com isso, 37% das vagas de cada unidade da instituiçã­o devem ser preenchida­s por alunos da rede pública. Dentro desse grupo, também há reserva de vagas para candidatos autodeclar­ados pretos, pardos e indígenas.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO
 ?? WERTHER SANTANA/ESTADÃO ?? Fase decisiva. Alunos fazem prova na Escola Politécnic­a da USP; 7,75% se ausentaram
WERTHER SANTANA/ESTADÃO Fase decisiva. Alunos fazem prova na Escola Politécnic­a da USP; 7,75% se ausentaram
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