O Estado de S. Paulo

A Islândia, Haddad e o Brasil

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Circulou recentemen­te pelas redes sociais a informação de que a Islândia era o primeiro país do mundo a tornar obrigatóri­a a igualdade salarial entre homens e mulheres. A notícia referia-se à entrada em vigor no dia 1.º de janeiro de 2018 de uma lei que obriga órgãos públicos e empresas com mais de 25 funcionári­os a obter uma certificaç­ão especial reconhecen­do a existência de políticas de igualdade salarial, sob pena de multa.

A Islândia tem 334 mil habitantes e a nova lei teve ampla repercussã­o. Por exemplo, o professor Fernando Haddad, ex-prefeito da cidade de São Paulo, mencionou a novidade em sua conta no Twitter. Certamente é motivo de comemoraçã­o a igualdade de gêneros na Islândia. Segundo o Fórum Econômico Mundial, o país possui a maior igualdade entre homens e mulheres do planeta, seguido de Noruega, Finlândia, Ruanda e Suécia.

Tratar, no entanto, a lei islandesa como se ela representa­sse uma absoluta novidade revela cabal desconheci­mento a respeito da legislação brasileira. A reforma trabalhist­a aprovada pelo Congresso no ano passado trata expressame­nte do tema.

A Lei 13.467/2017, que entrou em vigor no dia 11 de novembro de 2017 – ou seja, antes da nova lei da Islândia sobre igualdade salarial entre homens e mulheres –, atualizou oart .461 da Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT ), que agora tema seguinte redação :“Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabeleci­mento empresaria­l, correspond­erá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalid­ade ou idade”. Antes, o art. 461 falava apenas “sem distinção de sexo”.

A principal novidade trazida pela reforma trabalhist­a a respeito do tema está no § 6.º do mesmo artigo. “No caso de comprovada discrimina­ção por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinar­á, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discrimina­do, no valor de 50% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdênci­a Social”, estabelece a Lei 13.467/2017.

O parágrafo revela a discrepânc­ia entre as críticas habitualme­nte feitas à reforma trabalhist­a e o que de fato está em seu texto. An ovalei não dizima os direitos dost rabalhador­es e tampouco fere a Constituiç­ão Federal, como continuam alegando algumas centrais sindicais. Nocas oda igualdade salarial entre homem e mulher, a reforma trabalhist­a aumenta a proteção do trabalhado­r, fixando multa, além do pagamento das diferenças devidas, para o empregador que paga menos por causa do sexo ou da etnia do empregado.

Num regime democrátic­o, e muito especialme­nte quando o Legislativ­o discute um projeto de lei, é fundamenta­l assegurar a liberdade de expressão, para que possam ser ventilados na sociedade todos os argumentos possíveis relativos ao tema. A batalha de ideias no campo da comunicaçã­o é parte relevante do exercício dos direitos políticos. No entanto, a difusão de notícias falsas extrapola os limites do jogo político.

É legítimo que alguém defenda que a CLT deva ser mantida intacta, sem qualquer alteração ao longo do tempo. Por mais absurda que seja essa atitude de imobilismo legal e por mais entraves que ela possa causar para o desenvolvi­mento econômico e social, deve-se reconhecer que, num regime democrátic­o, ela é legítima. O que não é legítimo é dizer, ao contrário do que estabelece o texto da Lei 13.467/2017, que a reforma trabalhist­a aprovada pelo Congresso retira direitos dos trabalhado­res ou que fere a Constituiç­ão de 1988.

Se o debate de ideias é imperativo para o desenvolvi­mento do País, também é imperativo que esse debate não prescinda da realidade. A leitura da Lei 13.467/2017 pode representa­r uma enorme surpresa para muita gente. A reforma trabalhist­a aprovada no ano passado é um significat­ivo e equilibrad­o conjunto de avanços numa área especialme­nte sensível para todos os brasileiro­s, sem qualquer distinção de gênero.

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