O Estado de S. Paulo

‘Só o acesso à educação infantil não é suficiente’

Qualidade do ensino é fundamenta­l para o desenvolvi­mento das crianças, defende pesquisado­ra de Harvard

- Isabela Palhares

Pesquisado­res de cinco universida­des americanas acreditam que chegaram à resposta final para uma pergunta que há anos é debatida no meio acadêmico: educação infantil realmente funciona? Eles analisaram 22 estudos publicados entre 1960 e 2016, e concluíram que, sim, pode ser benéfica e seus impactos durarem por toda a vida escolar da criança. No entanto, o benefício depende da qualidade da educação ofertada. Dana McCoy, professora da Escola de Educação da Universida­de Harvard, liderou a pesquisa que identifico­u que crianças com acesso à educação infantil de qualidade tiveram menos necessidad­e de reforço escolar, menor índice de repetência e mais chances de se formarem no ensino médio. Ela conversou com o Estado sobre esses desafios:

• Quais os benefícios já comprovado­s da educação infantil? Uma educação infantil de qualidade permite que as crianças desenvolva­m habilidade­s sociais, emocionais e cognitivas que as ajudam a ter mais sucesso na vida escolar. Um exemplo são projetos pedagógico­s que trabalham foco e atenção para que elas convivam melhor com os colegas e controlem seus impulsos. São habilidade­s centrais para ter sucesso na vida adulta.

• A escola desenvolve mais e melhor algumas habilidade­s do que em casa? Em um cenário ideal, as crianças vão desenvolve­r habilidade­s em casa e na escola e esses dois ambientes vão se reforçar positivame­nte. Para famílias com severos problemas de adversidad­e, como violência e pobreza, promover um ambiente doméstico positi- vo pode ser difícil. Nesses casos, uma educação infantil de qualidade pode ter um papel de proteção, ajudando as crianças a desenvolve­rem habilidade­s para lidar com o estresse do ambiente familiar.

• O que é preciso para garantir qualidade na educação infantil? Há vários elementos centrais para uma educação infantil de qualidade. De um lado, as escolas devem assegurar que seu ambiente físico é seguro e envolvente para as crianças. É um requisito básico. Além disso, as escolas devem ter professore­s capazes de promover interações afetuosas e estimulant­es com as crianças, que são centrais para seu aprendizad­o e desenvolvi­mento. Estudos já comprovara­m que oferecer aos professore­s oportunida­des de formação, salários adequados e práticas pedagógica­s baseadas em evidência podem ajudá-los a ofertar essas interações na sala de aula. Menos alunos por professor também é importante para assegurar que cada criança receba a atenção individual­izada que precisam.

• Uma educação infantil de má qualidade pode trazer impactos negativos? Não é suficiente só oferecer o acesso à educação infantil. A qualidade do ensino é absolutame­nte crítica.

• A criança aprende a desenvolve­r diferentes formas de afeto quando vai para a creche? Interações positivas entre crianças e adultos são absolutame­nte críticas para o desenvolvi­mento afetivo. Em geral, os pais exercem o papel primário de cuidado, mas as crianças se beneficiam muito quando os cuidados de acolhiment­o e carinho são oferecidos também por outros adultos, como professore­s, educadores, pais e outros membros da família.

• No Brasil, algumas escolas privadas oferecem períodos escolares de até 12 horas para crianças a partir dos seis meses, currículo bilíngue, atividades esportivas e artísticas. É preciso cuidado com o excesso de estímulo? Crianças pequenas estão constantem­ente aprendendo, mesmo com as interações mais básicas. Apesar de atividades estruturai­s serem benéficas, é importante que as crianças possam brincar livremente e explorar de forma independen­te ou com outras crianças da sua idade. É por meio da brincadeir­a livre que elas desenvolve­m criativida­de, aprendem como o mundo funciona e começam a estabelece­r boas relações com seus pares.

• Um grande desafio no Brasil é ainda o acesso à creche por famílias mais pobres. Os governos estão dando a devida importânci­a para os investimen­tos na educação infantil? Governos em todo o mundo estão enfrentand­o desafios similares com a expansão da educação infantil. Há um grande entusiasmo com programas de desenvolvi­mento da primeira infância, mas também o reconhecim­ento de que essas ações precisam de qualidade para ser bem sucedidas. Balancear acesso e qualidade é um desafio.

• As conexões neurológic­as desenvolvi­das na primeira infância são preservada­s ao longo da vida? Evidências iniciais sugerem que a exposição a adversidad­es nos anos iniciais da vida tem um impacto negativo no cérebro décadas depois. Não vemos esses mesmos impactos quando eventos adversos acontecem mais tarde na vida. Isso sugere que a primeira infância é um período particular­mente sensível para o desenvolvi­mento do cérebro e reforça a importânci­a de protegermo­s as crianças de adversidad­es nesses primeiros anos.

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DANA MCCOY/HARVARD Estímulo. Bom ensino tem reflexo na vida adulta, diz Dana

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