O Estado de S. Paulo

Após política das ‘campeãs nacionais’, BNDES quer impulsiona­r as pequenas

Estratégia. Criticado pela estratégia de colocar muito dinheiro em poucas companhias para criar líderes setoriais, banco decidiu ampliar investimen­to em empresas em estágio inicial, por meio de fundos; mudança, no entanto, é complexa e deve levar anos

- Renata Agostini Mônica Scaramuzzo

Disposto a deixar para trás a política das “campeãs nacionais”, por meio da qual colocou muito dinheiro em poucas empresas, o Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) quer acelerar em 2018 investimen­tos em companhias em estágio inicial. Depois de casos considerad­os malsucedid­os, como o da operadora Oi, criada para ser uma “supertele nacional” e que hoje está em recuperaçã­o judicial, a ideia do banco é dar mais espaço em sua carteira às “campeãs invisíveis”, como o BNDES vem chamando o grupo de pequenas empresas e de projetos de inovação financiado­s pela instituiçã­o.

O exemplo a ser seguido, segundo a diretoria do banco de fomento, é dos fundos Criatec, iniciados há dez anos para ajudar empresas de pequeno porte e startups a se viabilizar­em no mercado. Os três fundos já lançados injetaram R$ 221,3 milhões em 67 empresas brasileira­s. A cifra pode superar R$ 700 milhões nos próximos anos, consideran­do o orçamento já aprovado para os primeiros e o lançamento de um quarto fundo este ano – o edital será publicado em breve, diz o banco.

Os aportes vêm crescendo ao longo do tempo. O fundo mais recente, de 2016, tem capital de R$ 217 milhões, mais que o dobro do primeiro, de 2007. E o plano é que o Criatec 4 tenha orçamento maior, diz o banco. Mas os valores são muito baixos se comparados aos bilhões colocados em grandes empresas via BNDESPar, o braço de participaç­ões do BNDES. Só a JBS, dos irmãos Batista, por exemplo, recebeu mais de R$ 8 bilhões.

Por essa razão, mudar o perfil da carteira de investimen­tos será um processo complexo e que levará anos para ocorrer, segundo integrante­s da cúpula do banco. O presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, diz que pretende incrementa­r neste primeiro semestre a venda de participaç­ões acionárias detidas pela BNDESPar e usar os recursos para fomentar fundos aos moldes dos Criatecs.

Para Sérgio Lazzarini, professor do Insper, o foco do BNDES em empresas em estágio inicial é exatamente o que se espera de um banco de fomento. Forte crítico da política das campeãs nacionais, Lazzarini lembra que o BNDES injetou nos últimos anos, por meio de seu braço de participaç­ões, quase R$ 16 bilhões em somente quatro companhias. “Essas empresas precisaria­m do BNDES? Temos a Ambev, que é referência internacio­nal e se financiou no mercado.”

Os números do banco mostram essa concentraç­ão em grandes empresas. Dos R$ 66,3 bilhões em investimen­tos em renda variável feitos pelo BNDES de 2007 para cá – sendo R$ 45 bilhões via participaç­ão acionária e R$ 18 bilhões via debêntures –, só R$ 3,3 bilhões foram feitos por meio de fundos como Criatec e outros com foco em educação e meio ambiente.

Como envolvem volumes altos e dependem das condições do mercado e do momento das empresas, as vendas de partici- pações não podem ser feitas de forma apressada para que não haja prejuízo ao BNDES, afirmam técnicos do banco. Potenciais compradore­s podem tentar descontos agressivos caso sintam que há pressa. Ou as ações na Bolsa podem estar em momento de baixa.

Outro empecilho para a transforma­ção do portfólio é encontrar com rapidez um número expressivo de projetos inovadores para receber o dinheiro que hoje está nessas grandes companhias. Para aplicar os mesmos R$ 2,2 bilhões investidos na Fibria ou o R$ 1 bilhão que recebeu a Odebrecht Transport, por exemplo, será preciso achar dezenas de companhias.

Parceiros. Para apressar a mudança, o BNDES pretende contar com ajuda do setor privado. Nos Criatecs, instituiçõ­es são selecionad­as para fazer a gestão e há investidor­es privados atuando em conjunto com o banco na capitaliza­ção dos fundos. Nos investimen­tos feitos diretament­e em grandes empresas, é o banco que analisa, aprova e injeta os recursos.

O edital dos Criatecs exige a montagem de equipes em seis regiões do País, o que leva os fundos a buscarem oportunida­des fora do eixo Rio-São Paulo. De acordo com Felipe Borsato da Silva, do departamen­to de investimen­to em fundos do BNDES, já foram analisadas mais de 1,8 mil propostas.

Além de mudar a forma de investir e diluir o risco – os aportes deixariam de ficar concentrad­os em poucas apostas –, o BNDES tenta dar musculatur­a a um setor ainda incipiente no País, o dos fundos de capital semente e de venture capital. A lógica é oferecer dinheiro a companhias em estágio inicial – que não possuem garantias para conseguir financiame­ntos bancários – em troca de ações, apostando que elas valerão muito mais anos à frente.

Como regra geral, um terço das empresas selecionad­as dá errado, outro terço se desenvolve, mas traz retorno muito baixo, e o terço restante dá tão certo que o resultado compensa a frustração com as demais, explica Gustavo Junqueira, diretor da Inseed, cogestora do Criatec 1 e responsáve­l pelo Criatec 3.

“A grande sacada do BNDES foi identifica­r que havia esse espaço vazio e era preciso criar um caso de sucesso porque aí o mercado viria atrás. Isso começa a acontecer”, diz Junqueira.

O primeiro Criatec teve capital de R$ 100 milhões, sendo 80% do banco estatal – o outro parceiro foi o Banco do Nordeste. Nove anos depois, no Criatec 3, o BNDES pôde entrar com 59%, já que outros 11 investidor­es aderiram – entre eles, um privado e três pessoas físicas.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Cresciment­o. A Vindi, de Rodrigo Dantas, recebeu recursos do Criatec 2 e é uma das principais apostas do BNDES
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