O Estado de S. Paulo

Ajuste fiscal

Procurador critica eventual mudança na ‘regra de ouro’

- Adriana Fernandes / BRASÍLIA

O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que denunciou as pedaladas fiscais no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), diz que abrir mão da “regra de ouro” – a norma que impede o endividame­nto para pagar despesas do dia a dia do governo – é quebrar a responsabi­lidade fiscal e um retrocesso histórico para as finanças públicas. “É quebrar o termômetro fiscal e fingir que não há febre.” A proposta de flexibiliz­ar a regra está sendo costurada com a Câmara. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) afirma que não há espaço para aventura fiscal em ano de eleições. A seguir, os principais trechos da entrevista:

• Qual a perspectiv­a para as contas públicas em 2018?

Vamos atravessar o ano caminhando sob o fio da navalha. Precisamos ter uma disciplina fiscal muito forte para não deixar o endividame­nto sair do controle. Vai ser um ano difícil porque tem eleições, uma resistênci­a do Parlamento em aprovar a reforma da Previdênci­a. É difícil que se aprove.

• Qual sua avaliação da proposta para flexibiliz­ar a regra de ouro? É um sinal muito forte de que, para alguns segmentos do governo, a responsabi­lidade fiscal não é um valor fundamenta­l que a Constituiç­ão diz que é. A regra de ouro é um pilar da estabilida­de fiscal. Significa que o governo só pode se endividar para fazer investimen­tos, e não para pagar o dia a dia, o gasto de custeio. É como se uma família estivesse se endividand­o para pagar a conta do supermerca­do. Dívida só pode ser feita para despesa de efeito mais duradouro.

• Qual é a solução, já que para 2019 o ministro Henrique Meirelles disse que não tem condições de cumprir?

Existe um desequilíb­rio de receita e despesa. A despesa está maior. É preciso aumentar a receita. Tem de aumentar imposto. Essa é a receita constituci­onal. Não se quer discutir aumento de imposto porque é ano eleitoral. Preferem tratar de uma PEC para quebrar a responsabi­lidade fiscal do que debater aumento de imposto para equilibrar as despesas.

• O que acontece se a regra for suspensa?

Suspender a regra é quebrar o termômetro da febre e fingir que ela não existe. E torcer para que em 2019 se encontre um remédio. É jogar a sujeira para debaixo do tapete.

• O que o TCU pode fazer? Ninguém pode impedir o Congresso de aprovar uma proposta de emenda à Constituiç­ão (PEC). Mas abrir mão dessa regra é um retrocesso histórico em termos de reorganiza­ção das finanças públicas do País. Ela tem sido um limitador da conduta do governo muito eficaz. Essa regra tem funcionado muito bem. Quebrar essa regra vai deixar o governo completame­nte sem amarras.

• Se o BNDES não devolver os R$ 130 bilhões ao Tesouro, a regra pode ser quebrada em 2018. Esses R$ 130 bilhões têm de ser devolvidos. Eles foram emprestado­s ilicitamen­te. O BNDES já tinha de ter devolvido.

• O sr. foi o procurador das pedaladas fiscais. Como vê o quadro fiscal?

A equipe anterior não acreditava em responsabi­lidade fiscal. Acreditava que o gasto público por si só legitimava tudo. E a crise mostrou o contrário. Tem mais disciplina fiscal hoje, mas existem dois vetores do governo. Um preocupado com o quadro eleitoral e que tem uma cabeça de gastar. E outro preocupado com as finanças públicas.

• O sr. emitiu alerta à Fazenda para não repassar dinheiro ao Rio Grande do Norte. Por quê?

A Constituiç­ão proíbe a União de custear a folha dos Estados e municípios. Não pode ter um governador irresponsá­vel, que dá aumento para os servidores ou contrata demais, fazendo um tipo de populismo, enquanto outros Estados e a população fazem sacrifício, e a União vai lá ajudar. Surgem situações dramáticas, mas fruto das ações que são resultados da irresponsa­bilidade, da falta de prevenção dos governador­es. Não cabe à União resolver.

• Qual a solução para o RN e Estados com o mesmo problema? Para o reenquadra­mento do Estado que estourou o seu limi- te de pessoal, a LRF estabelece a redução de cargos, comissões, proibição de contrataçã­o e de novos aumentos. Tem um artigo da LRF que está aguardando um julgamento do Supremo, porque a lei prevê a redução de jornada e salário para servidores. O STF ainda não definiu. É o que uma empresa faria com a folha acima da capacidade de arrecadaçã­o.

• O governo vai fechar o ano com um déficit menor. Não passa a impressão que melhorou? Fechou melhor, mas muito pouco. E ainda com um déficit imenso. Estamos falando de um déficit de quase R$ 160 bilhões. Ninguém pode imaginar que a União tem folga para socorrer ninguém.

Resultado

“A equipe (econômica) anterior não acreditava em responsabi­lidade fiscal. Acreditava que o gasto público por si só legitimava tudo. E a crise mostrou o contrário.”

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RODRIGUES-POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL-8/6/2016 Alvo. Para procurador, não cabe à União resolver problemas como o do Rio Grande do Norte

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