Precisamos falar sobre desigualdade
Asempiterna discussão sobre desigualdade e concentração de renda ganhou uma poderosa contribuição no ano passado com a publicação do livro do historiador Walter Scheidel, The Great Leveler. O argumento apresentado é lúgubre. Para o autor, a redução da desigualdade está historicamente associada a quatro eventos trágicos: guerras, revoluções, colapso do Estado e pandemias. Todos eles levam a rupturas profundas que nivelam a sociedade pela destruição de capital, por sua distribuição forçada ou ainda pela redução da força de trabalho.
A análise de Walter Scheidel estende-se da Roma Antiga aos dias de hoje, o que, evidentemente, limita a qualidade dos indicadores estimados. Se hoje a qualidade dos dados é deficiente – a riqueza dos muito ricos raramente é reportada com precisão –, o que não dizer da acurácia do índice de Gini que o autor estima para o ano de 1350. Seja como for, a desigualdade não é invenção recente.
Scheidel identifica nos últimos 2 mil anos dois picos de concentração de renda. O primeiro logo antes da peste negra, na Idade Média, e o segundo no início da 1.ª Guerra Mundial. No primeiro evento, a desigualdade foi aplacada pela morte de um terço da população europeia, o que forçou a elevação dos salários. A desconcentração de renda que começa na segunda década do século 20 pode ser explicada pela combinação entre o surgimento do welfare State (o Estado de bem-estar social), as revoluções comunistas e a imposição de impostos confiscatórios que financiaram o esforço de guerra. Não há evidência de que regimes democráticos, por si mesmos, possam promover maior igualdade. A relação entre concentração de renda e desenvolvimento também não é linear.
Há várias indicações de que a desigualdade voltou a crescer nos últimos anos e retorna ao patamar do início do século 20. O dado recente mais acachapante, compilado pela Bloomberg, mostra que as 500 pessoas mais ricas do mundo expandi- ram seu patrimônio em cerca de US$ 1 trilhão em 2017, o equivalente a um crescimento de 23% em relação ao ano anterior. É muita coisa. Na mesma direção, relatório do Credit Suisse aponta que o patrimônio da parcela do 1% de mais ricos da população mundial aumentou sua participação na riqueza total do planeta de 42,5% em 2008 para 50,1% no ano passado.
O Brasil tem muito a dizer sobre desigualdade. Segundo as Nações Unidas, somos o décimo país mais desigual do mundo. O ranking dos países mais desiguais é dominado por países africanos, alguns muito pobres, como Namíbia, Botsuana, República Centro-Africana, Zâmbia e Lesoto. Políticas públicas podem ou mitigar ou agravar esse quadro. Relatório publicado em dezembro de 2017 pelo Ministério da Fazenda ( Efeito Redistributivo da Política Fiscal no Brasil) calcula quanto cada faixa de renda recebe de benefícios oficiais e quanto paga para financiá-los. Infelizmente, o recebi-
A campanha presidencial deste ano não poderá fugir desse assunto, que tem sido negligenciado
mento de juros não é computado na conta dos benefícios, mas, ainda assim, o estudo deixa claro que, considerando o saldo entre impostos pagos e benefícios recebidos, a política fiscal brasileira não consegue alterar a posição dos 20% da população com menor renda. O que esta parcela paga de impostos equivale, grosso modo, ao que ela recebe de benefícios.
Entre nós, o debate sobre desigualdade é ainda secundário. Analistas de boa-fé negligenciam o tema, alegando que o que importa é a elevação da renda da parcela mais pobre. A campanha presidencial de 2018 não poderá fugir desse assunto. Não é preciso esperar nenhuma catástrofe para que sejamos uma sociedade menos desigual e mais justa.