O Estado de S. Paulo

FOGÃO E PANELA PARA RECUPERAR A AUTONOMIA

Cozinha adaptada ajuda vítimas de AVC e amputações a reaprender­em atividades básicas

- /P.F.

Adona de casa Kimie Onishi, de 59 anos, nem sabe qual receita preparada pela filha é sua favorita. O salmão no forno é o primeiro prato lembrado, mas também tem o picadinho. Sem falar na confeitari­a. “Ela cozinha bem. Costumo dizer que fez a faculdade errada, deveria ser Gastronomi­a.” Em março, um acidente vascular cerebral (AVC) colocou em risco a relação da securitári­a Waneska Onishi, de 25 anos, com a cozinha. Ficou sem andar e falar e só dois meses depois começou a recuperar as funções. Desde outubro, tem aulas na cozinha montada para pacientes da Rede de Reabilitaç­ão Lucy Montoro, do sistema estadual, onde se aprende a retomar a autonomia.

Waneska estava em uma festa e sentiu dor de cabeça. Quando chegou em casa, já não mexia a mão. “Voltei a andar com facilidade só dois meses depois.” Kimie acompanhou a filha nas internaçõe­s, consultas e, agora, na reabilitaç­ão. “Não a trato como doente. Ela tem de ter pé no chão e voltar a fazer as coisas.”

Com um prendedor adaptado, Waneska amarra o cabelo sem ajuda, usando a mão esquerda. O desafio proposto pela terapeuta ocupaciona­l era fazer cookies de chocolate untando a forma e quebrando os ovos sozinha. Sem pressa, fez todas as etapas da receita e, mesmo orientada a não se preocupar com o formato dos biscoitos, fez questão de deixar todos redondos e de tamanhos parecidos. O talento ficou claro quando os cookies saíram do forno.

“Tem de fazer sentido para o paciente. A alimentaçã­o é uma forma de sobrevivên­cia e fazemos gradação de atividades”, explica a terapeuta ocupaciona­l da rede Lílian Falkenburg. “O alimento ajuda na socializaç­ão. Cada um auxilia no que tem de potencial. Um ajuda a mexer a massa, outro põe no fogão e, depois, todos comem juntos.” Com 17 unidades no Estado, a rede completa dez anos em 2018. Por mês, são mais de 100 mil atendidos.

Independên­cia. Feijoada, rabada, tortas e cuscuz estão entre os pratos que a aposentada Maria de Lourdes da Conceição, de 73 anos, já preparou após um acidente de ônibus em 2016, quando perdeu a mão direita. A ex-diarista, que era destra, teve de reaprender atividades diárias.

“Antes mesmo de vir para cá, já fazia comida. Primeiro foi arroz. Vi que acertei e fiz mais. Depois do acidente, esqueci que estava sem a mão e queimei o braço. Também já me cortei. Agora comprei panela com cabo mais comprido, faço café na pia porque se virar não cai em mim”, afirma ela, que vai à unidade duas vezes por semana.

 ?? TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO ?? Waneska e Kimie. Após sofrer um AVC, jovem voltou a cozinhar em rede de reabilitaç­ão
TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Waneska e Kimie. Após sofrer um AVC, jovem voltou a cozinhar em rede de reabilitaç­ão

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil