O Estado de S. Paulo

Perdão de dívidas no País é de R$ 176 bi em dez anos

Renúncia fiscal. Nesse período, foram lançados nove programas de parcelamen­to de débitos com o Fisco, com prazos que variam de 60 a 120 meses; hoje, dois novos Refis estão em discussão em Brasília para beneficiar pequenas empresas e produtores rurais

- Adriana Fernandes / BRASÍLIA

Levantamen­to feito pela Receita Federal a pedido do Estado mostra que, nos últimos dez anos, o País perdoou R$ 176 bilhões em juros e multas de dívidas tributária­s. Os devedores foram beneficiad­os por meio de nove programas de parcelamen­to de débitos, os Refis. O secretário da Receita, Jorge Rachid, disse que o órgão está elaborando um projeto que altera o Código Tributário Nacional para restringir os parcelamen­tos.

Nos últimos dez anos, o Brasil perdoou R$ 176 bilhões em juros e multas de dívidas tributária­s. Os devedores foram beneficiad­os por meio de nove programas de parcelamen­to de débitos com o Fisco nesse período. O valor é praticamen­te o mesmo do rombo nas contas da Previdênci­a no ano passado.

O levantamen­to foi feito pela Receita Federal a pedido do Estadão/Broadcast. Esses programas, conhecidos pela sigla Refis, permitem que empresas refinancie­m dívidas com descontos sobre juros, multas e encargos. Muitas vezes os juros são maiores que o débito original.

Em troca, o governo recebe uma parcela da dívida adiantada, mas abre mão de uma parcela do que ganharia com juros e multas.

Só no ano passado, foram cinco Refis diferentes aprovados pelo Congresso, inclusive para a dívida de Estados e municípios. Ontem, o presidente vetou parte das condições do programa de parcelamen­to das dívidas do Funrural, contribuiç­ão paga pelos empregador­es para ajudar a custear a aposentado­ria dos trabalhado­res. Temer vetou, por exemplo, o desconto de 100% que os parlamenta­res colocaram para as multas e manteve a proposta original de 25%.

O presidente já tinha vetado, na semana passada, o Refis para micro e pequenas empresas, mas um acordo foi costurado para a derrubada do veto assim que o Congresso voltar do recesso.

As negociaçõe­s desses programas se misturaram ao longo do ano passado com a busca de apoio do Planalto para derrubar as duas denúncias contra o presidente e aprovar a reforma da Previdênci­a.

Pelo levantamen­to da Receita, a maior renúncia foi dada no Refis da Crise, lançado em dezembro de 2008, depois que as empresas brasileira­s foram atingidas pelo impacto da crise financeira internacio­nal. A renúncia fiscal foi de R$ 60 bilhões. Esse foi o programa com maior adesão até agora, com participaç­ão de 886 mil empresas e pessoas físicas. O Refis da Crise foi reprisado depois com mais quatro reabertura­s do prazo de adesão entre 2013 e 2014.

Origem. O apelido de Refis nasceu do nome do primeiro parcelamen­to especial, feito há 18 anos, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, o programa foi destinado somente a empresas. De lá para cá, já foram 39 programas, segundo a Receita, inclusive para bancos e clubes de futebol.

Para o professor de Direito Financeiro da Universida­de de São Paulo (USP), Heleno Torres, os sucessivos Refis são consequênc­ia de uma cultura de litígio que motiva os contribuin­tes a questionar­em os débitos na Justiça. “O sujeito, ciente de que o sistema de cobrança é muito falho, passa a ser um devedor e um litigante contumaz”, diz. “Entre um contribuin­te que paga os tributos em dia e outro que logra êxito nesses parcelamen­tos, o último sai com vantagem competitiv­a. O primeiro, então, não vê nenhuma vantagem em ser um bom contribuin­te.”

O Fisco calcula uma perda anual de R$ 18,6 bilhões de arrecadaçã­o decorrente de contribuin­tes que deixam de pagar suas obrigações tributária­s à espera de um novo parcelamen­to. Para o secretário da Receita, Jorge Rachid, o grande número de parcelamen­tos provoca esse quebra da arrecadaçã­o futura. Segundo Rachid, há casos de mesmas empresas terem participad­o de até cinco parcelamen­tos. “O Fisco acaba recebendo mais no ano (com os pagamentos à vista), mas o que está fazendo é abrindo mão de arrecadaçã­o no ano seguinte. E o contribuin­te apostando que no seguinte ele vai poder deixar de pagar.”

Estudo da OCDE sobre parcelamen­tos em 26 países mostrou que na maioria deles o período máximo de parcelamen­to é de 12 ou de 24 meses. Só em casos especiais, esse prazo é alongado. E nesses casos é exigida garantia. Não são conhecidos parcelamen­tos em prazos tão alongados como os brasileiro­s, que variam de 60 até 240 meses.

Círculo vicioso “O Fisco recebe mais no ano (com pagamentos à vista), mas abre mão de arrecadaçã­o no ano seguinte. E o contribuin­te aposta que ano no seguinte vai poder deixar de pagar.” Jorge Rachid SECRETÁRIO DA RECEITA

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO -9/8/2017 Excesso. Rachid defende mudança no Código Tributário para restringir parcelamen­tos

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