O Estado de S. Paulo

O preço de um grave erro

-

Em vez de promover a tão necessária reforma política, o Legislativ­o aumentou a deformação do sistema eleitoral ao destinar mais dinheiro público para financiar os partidos políticos.

Sob o pretexto de viabilizar a campanha eleitoral de 2018, o Congresso aprovou no ano passado uma verdadeira excrescênc­ia. A Lei 13.487/2017 criou com recursos públicos um fundo específico para o financiame­nto das campanhas eleitorais. Estima-se que o Fundo Especial de Financiame­nto de Campanha (FEFC) receberá cerca de R$ 1,75 bilhão em 2018. Em vez de promover a tão necessária reforma política, o Legislativ­o aumentou a deformação do sistema eleitoral, ao destinar mais dinheiro público para financiar os partidos políticos, que são entidades privadas.

Quando o projeto de lei estava em debate no Congresso, parlamenta­res assegurara­m que o novo fundo não tiraria recursos da saúde e da educação, pois o dinheiro viria de um porcentual das verbas destinadas às emendas parlamenta­res, bem como da compensaçã­o fiscal a que emissoras de rádio e TV têm direito por transmitir­em os programas partidário­s. Tentava-se, assim, diminuir a resistênci­a ao FEFC, com a promessa de que ele não iria desequilib­rar a periclitan­te situação fiscal do Estado brasileiro. Ele seria composto apenas de dinheiro que já seria gasto em outras áreas.

A argumentaç­ão a favor do FEFC não era, no entanto, muito realista. Como uma parcela das verbas destinadas aos parlamenta­res é investida em educação e saúde, na prática o Congresso tirou recursos desses setores para financiar as campanhas políticas. Levantamen­to feito pelo Estado mostrou que as duas áreas perderam R$ 472,3 milhões para as campanhas. O novo fundo receberá R$ 121,8 milhões remanejado­s da educação e R$ 350,5 milhões da saúde.

Com isso, mais uma vez fica evidente o erro de destinar recursos públicos para financiar partidos políticos. Não há dúvida de que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao proibir em setembro de 2015 as empresas de doarem aos partidos políticos, retirou a principal fonte até então de financiame­nto das legendas. A acertada decisão da Suprema Corte não representa­va, no entanto, qualquer autorizaçã­o para que os políticos fossem buscar esses recursos nos cofres públicos. Era justamente o contrário.

Ao reconhecer que as empresas não têm direitos políticos e, portanto, não podem interferir no processo eleitoral – coisa que ocorria quando elas doavam somas milionária­s aos partidos e aos candidatos –, o STF buscou devolver o protagonis­mo do processo eleitoral ao cidadão, de acordo com a Constituiç­ão de 1988. Era o sensato reconhecim­ento de que, quando não é o cidadão quem financia as campanhas, ele se torna elemento coadjuvant­e do processo eleitoral.

Como é lógico, os partidos políticos têm também fundamenta­l importânci­a nesse processo. Segundo a Constituiç­ão de 1988, a filiação partidária é requisito indispensá­vel para alguém se candidatar. Mas é preciso lembrar que esse caráter essencial dos partidos deriva do fato de que eles são entidades privadas. São, devem ser, a expressão viva da atividade política da população. Eles não são órgãos do Estado e, portanto, não devem receber dinheiro público.

Essa realidade não é mero detalhe circunstan­cial, que eventualme­nte poderia ser deixada de lado sem maiores consequênc­ias. Num Estado Democrátic­o de Direito, a difusão das ideias e causas partidária­s é parte essencial do exercício dos direitos políticos. E é por isso que a decisão de quanto e onde contribuir cabe apenas ao cidadão. Não é tarefa do Estado decidir quanto cada partido político receberá de financiame­nto.

A democracia tem um custo, já que a campanha política custa dinheiro. Mas isso deve ser estímulo para aproximar o cidadão da política. A necessidad­e de financiar as campanhas deve levar os candidatos a sair às ruas, debater suas propostas, convencer a população e, depois, passar o chapéu para arrecadar os recursos necessário­s. Isso não é utópico, ao contrário do que dizem alguns políticos. Utópico é achar que a democracia pode melhorar num sistema em que os partidos políticos não precisam do eleitor para sobreviver, pois, além dos recursos do fundo partidário, receberão dos cofres públicos R$ 1,75 bilhão para realizarem suas campanhas eleitorais.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil