O Estado de S. Paulo

Monica De Bolle

- E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS

As labaredas do nacionalis­mo econômico cativam as massas como, entre outros, no fascismo europeu dos anos 30.

De pronto, devo confessar: passei o fim de semana lendo o explosivo livro de Michael Wolff, provavelme­nte o melhor livro de fofoca política que será publicado este ano sobre o governo Trump. Este artigo, entretanto, não é – exatamente – sobre o livro de Wolff, tampouco sobre o que revela ou deixa de revelar acerca da acuidade mental e do temperamen­to do ocupante da Casa Branca. O livro é, antes de tudo, o retrato do nacionalis­mo econômico defendido com fogo e fúria pelo defenestra­do Steve Bannon, ex-estrategis­ta de Trump, ex-conselheir­o sênior da Casa Branca, ideólogo e articulado­r do Trumpismo que nem Trump sabe o que é.

A última semana foi marcada por dois eventos que, em tese, nada têm em comum: a publicação da obra de Wolff e as reuniões anuais da American Economic Associatio­n (ASSA 2018) – evento acadêmico que reúne desde aspirantes em busca de seu primeiro emprego universitá­rio pósPhD a vencedores do Nobel e outros renomados economista­s.

Como não poderia deixar de ser, houve sessão dedicada aos movimentos “populistas” que pipocam mundo afora, tema que já abordei neste espaço. Economista­s, cientistas políticos, sociólogos, e outros cientistas sociais não têm definição consensual sobre o populismo. De modo geral – e como visto na ASSA 2018 –, o mínimo denominado­r comum do populismo é que se trata de visão que contrapõe as massas à elite corrupta, cuja ideologia é desidratad­a, podendo, portanto, ser cooptada pela direita ou pela esquerda, e que funciona tanto em democracia­s quanto em regimes autoritári­os. Embora esses aspectos sejam aceitáveis como esboço para caracteriz­ar o populismo, falta nessa delineação traço fundamenta­l de qualquer movimento que se pretenda populista: o nacionalis­mo econômico.

Mas o que é nacionalis­mo econômico? Pesquisa minha em colaboraçã­o com um colega do Peterson Institute for Internatio­nal Economics ainda em estágio muito inicial define o nacionalis­mo econômico moderno sobre cinco pilares: 1. A política industrial como instrument­o de promoção de setores econômicos específico­s, vistos como estratégic­os seja por questões de segurança nacional, seja porque acredita-se possuam maior peso na criação de empregos, sobretudo na indústria tradiciona­l; 2. A subordinaç­ão de políticas de concorrênc­ia que preservam o livre funcioname­nto do mercado com regulação aos objetivos da política industrial; 3. Uma visão mercantili­sta acerca do comércio mundial, exaltando as exportaçõe­s de produtos nacionais e vilificand­o as importaçõe­s; 4. A submissão da estabilida­de macroeconô­mica a outros objetivos como a criação de empregos e/ou o impulso ao cresciment­o de curto prazo; 5. O repúdio a tratados e acordos internacio­nais que restrinjam a capacidade de implantar os quatro pilares do nacionalis­mo econômico citados.

Volto ao livro de Wolff. As partes mais interessan­tes de Fogo e Fúria não são as fofocas e intrigas, embora tenham o grande mérito de divertir imensament­e o leitor. As partes mais interessan­tes são as que retratam a incansável batalha de Bannon para imprimir às políticas defendidas pela Casa Branca conteúdo nacionalis­ta baseado nos cinco pilares mencionado­s

As labaredas do nacionalis­mo econômico cativam as massas como, entre outros, no fascismo europeu dos anos 30

acima. O livro, portanto, pode ser lido como coletânea de mexericos, ou como a melhor exposição do Trumpismo idealizado por Steve Bannon – que, afinal, é o real protagonis­ta da obra de Wolff, citado que é página sim, outra também.

O ex-todo-poderoso do Trumpismo parece – por ora – ter caído em desgraça. Contudo, para qualquer um que acompanhe o debate político e econômico nos EUA, na Europa, no México, e, pasmem, no Brasil, a verdade é que fogo e fúria têm consumido mentes e corações, debates e bate-bites, como bem disse Nelson Motta em contexto distinto. As labaredas do nacionalis­mo econômico cativam as massas como no fascismo europeu dos anos 30, na ascensão do Japão nos anos 50, no milagre econômico da Coreia e de Taiwan em 1960 e 1970, no Varguismo e no Peronismo do pós-guerra, na transforma­ção da China em potência mundial. Em todos esses episódios, ao menos três dos cinco pilares sobre os quais definimos o nacionalis­mo econômico estiveram presentes. Difícil é, portanto, imaginar que fogo e fúria tenham destino certo, ou hora para acabar.

ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

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