O Estado de S. Paulo

A comédia bufa com a sra. Brasil

- JOSÉ NÊUMANNE JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

Os policiais do Rio Grande do Norte não receberam seus vencimento­s de dezembro nem o equivalent­e ao 13.º salário. Por isso pararam de trabalhar, compromete­ndo gravemente a segurança pública do Estado. Alegam também não ter condições de entrar em ação porque a frota está sucatada e os equipament­os à sua disposição não lhes permitem enfrentar o cotidiano arriscado e violento em condições condizente­s. Não são, como se vê, só pretextos.

A desembarga­dora Judite Nunes considerou o aquartelam­ento dos policiais militares e a paralisaçã­o dos civis indícios de greve dos agentes estaduais de segurança e isso não é permitido por lei. Mas os policiais não voltaram a patrulhar as ruas e as delegacias continuara­m sem funcionar. O desembarga­dor Cláudio Santos, do Tribunal de Justiça, então, determinou que o comandante da Polícia Militar e o secretário de Segurança Pública prendessem os amotinados. Estes se reuniram, algemaram-se a si próprios, num gesto de rebeldia e desafio, mas não foram, e ainda não estão, presos. A solução encontrada foi mandar tropas federais para o Estado sem polícia. Até quando? Quem garante o quê nessa situação? A quem o cidadão desarmado e à mercê de bandidos armados até os dentes na rua deve apelar? Ao papa argentino? Ao bei de Túnis? À Virgem Maria? Ou a Iemanjá, a rainha do mar?

O impasse do Rio Grande do Norte não foi isolado, nem único, nem singular. Os servidores do outro Rio Grande, o do Sul, tomam dinheiro emprestado em bancos para sustentar a família, já que o disponível nos cofres do Estado não lhes supre as necessidad­es. É o caso de outra Unidade da Federação com nome de Rio, o de Janeiro. Sem recursos para pagar suas contas, funcionári­os fluminense­s reúnem-se nas ruas, gritam palavras de ordem, armam barricadas e queimam pneus. Em vão! Em Aparecida de Goiânia, as facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio, degolam, trucidam e incineram os oponentes ao lado.

Sete dos nove governador­es do Nordeste atribuem a situação terminal de seus presídios à inerte insensibil­idade do governo federal. O ministro da Justiça, Torquato Jardim, recebe as críticas sem humildade, com quatro pedras na mão. Nessa pendência ninguém tem razão. Os Estados, entes federativo­s responsáve­is pela segurança dos cidadãos, desperdiça­m quase tudo o que arrecadam em salários, pendurical­hos e outros privilégio­s do corpo funcional inchado e disforme, cujo dispêndio é desproporc­ional à capacidade do erário. A União, que deveria mais propriamen­te ser chamada de Desunião, ocupa-se em distribuir emendas orçamentár­ias para manter prerrogati­vas, como o foro privilegia­do.

Como não há mais bei em Túnis e os prelados católicos já não dispõem de patrimônio para alimentar e vestir os servidores flagelados, os governador­es rebelados apelam ao que lhes parece disponível: o Judiciário. Pediram audiência à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e, como parece não ter mais a fazer, Cármen Lúcia os recebe. A exemplo dos cavaleiros gaúchos do célebre poema do folgazão pernambuca­no Ascenso Ferreira, “para quê? Para nada!”. Na reunião, a procurador­a de origem só pode usar belas frases inúteis e vazias de sempre. De nada servem. E os chefes dos Executivos estaduais entram e saem de mãos abanando.

Na presidênci­a do STF, Cármen Lúcia interpreta as fadas dos contos infantis e tem valia similar à delas. Em 2017, também presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ela visitou presídios do País, mas passou ao largo de Aparecida de Goiânia, pois o governador de Goiás, Marconi Perillo, achou que seria impróprio. Agora ele mudou de opinião, mas repetiu-se o forfait: não tinha o que fazer lá. Em 2014, e há dois meses, ela encarregou subordinad­os de fazerem relatórios sobre a prisão. Nada mudou e veio o réveillon do horror.

Seria o caso de, em reuniões como essa, ou quando dispara ordens para que preparem relatórios que só repetem os anteriores e nada produzem de efetivo, dona Cármen e seus dez pares da távola-ferradura se darem as mãos e entoarem em coro, fazendo eco a Roger Moreira e ao Ultraje a Rigor: “Inútel, a gente somos inútel”. Mas, não: enquanto o governador Perillo faltava ao expediente e se escondia da crise pulando as sete ondinhas para Iemanjá numa praia de Pernambuco, Cármen, no plantão do último recesso, antes de passar coroa e cetro para Dias Toffoli, não podia ter perdido essa chance para proferir mais uma frase de efeito. Ela já disse: “Cala a boca nunca mais”. E mais: “O cinismo venceu a esperança e agora o escárnio venceu o cinismo”. Não seria esta a hora de o inócuo derrotar o escárnio? É o que parece!

Hoje nossos presídios são puxadinhos dos palácios. Serviçais de Geddel Vieira Lima, residente na Papuda, em Brasília, cuidam de seus interesses na Secretaria de Governo, sob Carlos Marun, capanga de Eduardo Cunha, que mora numa cela, em Curitiba. A ministra a ser encarregad­a da reforma trabalhist­a foi indicada por papai, o ex-presidiári­o Roberto Jefferson, delator, réu confesso do mensalão, indultado por Dilma e perdoado pelo STF, sempre apto a soltar, nunca disposto a prender. A filhota, condenada por violar as leis trabalhist­as, paga acordo com outro “ex-escravo” dispondo da conta bancária de uma assessora, da mesma forma que Job Brandão, ex-empregado da famiglia Vieira Lima, “doava” 80% dos vencimento­s às contas dos chefões. A débil gestão Temer caiu... por enquanto na galhofa geral. E se prepara para não reformar a Previdênci­a, mesmo com a ficha-sujíssima sra. Brasil na equipe.

Sendo Cármen Lúcia inapta e inepta para decepar o nó górdio que pretende desatar, e à falta de beis e bispos, a plateia pagante do show só exige que se investigue­m todos os suspeitos e se prendam todos os culpados, sob pena de este sr. Brasil velho não ter mais cura.

Ministra que despreza a lei faz governo cair... por enquanto, na galhofa geral brasileira

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil