O Estado de S. Paulo

Kim Jong-un lança uma ofensiva olímpica de charme

- Choe Sang-hunjan / THE NEW YORK TIMES / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO É JORNALISTA

Olíder da Coreia do Norte, Kim Jongun, passou 2017 irritando o mundo com testes nucleares e mísseis de longo alcance. Agora, 2018 lhe trouxe a oportunida­de ideal para uma ofensiva de charme: a Olimpíada de Inverno. O anúncio de que o Norte participar­ia dos Jogos, na cidade sulcoreana de Pyeongchan­g, e de que as duas Coreias conversari­am para diluir as tensões, foi recebido no Sul como um alívio depois de um ano tenso. Poucos, porém, acreditam que Kim esteja mesmo motivado pelo espírito olímpico. “A prioridade de Kim é se esquivar da ameaça de Donald Trump e suavizar o impacto das sanções”, disse Paik Hak, analista do Instituto Sejong, da Coreia do Sul. “Os Jogos são a oportunida­de perfeita.”

A estratégia de Kim pode ser encontrada em seu discurso de ano-novo, durante o qual ele propôs que as Coreias enviassem uma delegação aos Jogos. Kim mostrou confiança de que suas armas nucleares impedirão que os EUA iniciem uma guerra, vanglorian­do-se do “botão nuclear” em sua mesa. Mas ele disse a seu povo que se preparasse para os efeitos das sanções da ONU, que teriam começado a aparecer. Então, ele estendeu a mão a Seul, afastando a Coreia do Sul de Washington na questão das sanções. Ele pediu que os “compatriot­as” trabalhass­em juntos pela paz, um apelo que repercutiu entre muitos progressis­tas sul-coreanos.

Logo após o discurso, Pyongyang restabelec­eu uma linha direta entre as duas Coreias. No fim da semana, os dois lados concordara­m em realizar negociaçõe­s na aldeia de Panmunjom e o diálogo foi retomado. Koh Yu-hwan, professor da Universida­de Dongguk, de Seul, disse que a ofensiva de Kim é o primeiro passo para o alívio das tensões. Kim pode ter cedido em razão das sanções, das ameaças de Trump ou porque está satisfeito com seu avanço nuclear. Mas, se ele queria afastar a Coreia do Sul dos EUA, apelando ao nacionalis­mo sul-coreano, não poderia ter escolhido um modo melhor do que pelo esporte.

Apesar da inimizade, os sul-coreanos torcem pelos atletas do Norte em competiçõe­s internacio­nais. Em 1964, as duas Coreias discutiram formar uma equipe olímpica única, ideia que sempre ressurgiu, mas quase nunca deu certo. Em 2000, quando as Coreias realizaram a primeira reunião de cúpula, atletas dos dois países marcharam juntos na abertura dos Jogos de Sydney. Fizeram o mesmo em Atenas, em 2004, carregando a bandeira de uma Coreia unificada.

Kim encontrou no presidente sul-coreano, Moon Jae-in, um entusiasma­do parceiro. Durante meses, ele pediu o diálogo e estimulou sua participaç­ão na Olimpíada, ao mesmo tempo em que se opôs às ameaças de Trump. Para se aproximar do Norte, Moon deixou de realizar os exercícios militares com os EUA durante os Jogos. Para ele, a aproximaçã­o não poderia ter chegado em um momento melhor. Seu governo teve problemas para vender ingressos das competiçõe­s, mas agora espera que uma multidão torça pela Coreia, o que reduziria a crítica dos conservado­res ao diálogo. “Diplomacia esportiva é atraente”, disse Lee Sung-yoon, especialis­ta da Tufts University. “A Coreia do Norte tem todas as razões para animar os Jogos e ser o centro das atenções.”

Moon espera que o degelo leve a negociaçõe­s mais amplas, envolvendo Washington, para acabar com o programa nuclear do Norte. Mas, como o restante do mundo, ele sabe que não será fácil. “Sul e Norte têm motivos diferentes por trás da ofensiva da paz”, disse Koh. “O Norte quer que o mundo o aceite como um país nuclear e viva em paz com ele. O Sul promove a paz para desnuclear­izar o Norte.”

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