O Estado de S. Paulo

Sem perder a ternura

Bruto na aparência, mas com mensagem pacifista, ‘O Touro Ferdinando’, que estreia amanhã, dá lição de tolerância

- Luiz Carlos Merten

Foi logo depois de Rio, de 2011. Em conversa com a cúpula da Fox, que lhe propunha novas parcerias com sua produtora Blue Sky, Carlos Saldanha falou do seu desejo de fazer um filme sobre um touro “diferente”. Não pensava especifica­mente no personagem do livro cultuado de Munro Leaf, mas, quando viu, a Fox estava conversand­o com os familiares do escritor, que o autorizara­m a fazer as mudanças necessária­s. “Pois esse era o problema que eu via. O livro é fininho, em preto e branco, não me permitiria fazer um longa. Daria, no máximo, outro curta como o da Disney, nos anos 1930. Com a família e o estúdio me dando corda para criar, seria louco se não me lançasse nessa aventura”, conta.

No intervalo, Saldanha fez Rio 2, o episódio ‘live’ de Rio, Eu Te Amo. Mas estava escrito que ele concluiria O Touro Ferdinando, como seu filme se chama no Brasil. Ferdinando esteve entre os finalistas do Globo de Ouro de animação. Perdeu para Viva – A Vida É Uma Festa, da Pixar, que estreou na semana passada. Com certeza, deve ir para o Oscar. O Touro Ferdinando estreia nesta quinta-feira, 11. Um touro gentil, mas que, de repente, é confundido com uma besta-fera e enviado para uma fazenda de treinament­o de touros de briga. Contra a sua natureza, Ferdinando é preparado para participar de touradas. E tudo o que ele quer é voltar para casa, para sua dona.

No ano passado – parece que foi há muito tempo –, Saldanha veio ao Brasil mostrar cenas da animação que ainda não concluíra. Deu algumas entrevista­s. Ao Estado, confessou que estava muito feliz. “Para mim, era natural fazer um filme como Rio, contando a história de Blu. Sou brasileiro, estava falando da minha cultura. Aqui, precisava me apropriar de outras culturas, e foi o que fiz. O livro de Munro Leaf, ao contrário do curta da Disney – disponível no YouTube –, é praticamen­te desconheci­do no Brasil, o que me deu toda liberdade para criar.”

Coincidênc­ia, ou não, Viva, que venceu o Globo de Ouro, tem raízes no culto dos mortos da cultura mexicana. Ferdinando é enraizado na cultura espanhola. Touradas, olé! “E eu quis fazer o filme bem hispânico. Viajei ao país, fiz pesquisas. A paleta (de cores) de Rio era natural para mim, mas eu tive de estabelece­r o que seria a (paleta) de Ferdinando. Muito ocre, vermelho. Cores terrosas. E a história progride. Começa no campo, bucólica, com a relação de Ferdinando com a menina, sua dona. Aí ele vai para a cidade, e a feira é muito colorida. À medida que a trama progride, a multidão aumenta. Na cidade, na arena de touros. No Rio, a cidade já era personagem, com o Blu. Aqui, é essa multidão. Isso exige planejamen­to, muito trabalho. Não é coisa que se faça sozinho. Posso estabelece­r conceitos, parâmetros, mas é um monte de gente trabalhand­o. E os personagen­s...”

Saldanha explica. “Você viu meu episódio para Rio, Eu Te Amo. Adorei fazer. Trabalhar com atores, live action. Quero até ampliar essa experiênci­a, e acho que vai ser muito boa. Mas eu gosto de trabalhar com animais, contar histórias de bichos. Porque dá para exagerar em tudo. Nas cores, nas emoções. Foi o que

Novo

A editora Intrínseca lançou uma nova edição de O Touro Ferdinando, um livro clássico de 1938, escrito por Munro Leaf. Tem leitura rápida e as belas ilustraçõe­s de Roberto Lawson fiz no Ferdinando.”

O repórter não se furta a observar – o Ferdinando da Disney é muito gay. E o seu, Saldanha? “Acho que se pode fazer essa leitura, mas não era minha intenção, minha prioridade. Para mim, a história do Ferdinando remete a uma questão visceral – você tem de ser honesto com o que você é. Ferdinando é desse jeito, gentil, e vai mudar a vida de todo mundo ao redor dele. Acho que é uma verdade básica. Cada um de nós pode fazer a diferença, mas sendo fiel a si mesmo, à sua verdade.”

Para dublar o personagem no original, Saldanha contou com a colaboraçã­o de John Cena. “Olhei para aquele cara e pensei comigo – ele tem força para me arrebentar. Mas o John me disse que era o Ferdinando e ia fazê-lo com todo carinho. Trabalhei também com o Peyton Manning, que faz El Guapo.”

“Peyton não é muito conhecido aqui, no Brasil, mas é uma lenda nos Estados Unidos, um grande jogador de futebol americano que atuava como quarterbac­k. O Peyton sempre teve tudo – boa-pinta, seguro de si, um líder no campo. E aí eu cheguei para ele e perguntei se nunca teve dúvida. Se nunca teve um momento de inseguranç­a. Pois era isso que eu queria. Ele adorou fazer, se entregou, como o Johnny (Cena). E eu acho que o Ferdinando é isso. Nós somos o que somos, e o mundo será muito melhor se nos aceitarmos assim, com nossas diferenças.” Foi exatamente o que disse Nick Jonas quando esteve na Comic Con para promover Jumanji. O exJonas Brothers é o artista da canção Home, tema de O Touro Ferdinando.

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BLUE SKY STUDIOS Flower power. O gentil Ferdinando muda a vida de todo mundo
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MARIO ANZUONI/REUTERS Carlos Saldanha. Filme mostra que cada um de nós pode fazer a diferença
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