O Estado de S. Paulo

Se quiser cheirar flores, que cheire; seja quem você é

- Pedro Antunes

Na jornada de Ferdinando, as expectativ­as estão ali para serem quebradas. Imposições, moídas, tornam-se pó. É bonito. É uma aula. É tolerância – ou seja, o timing de lançamento da nova animação do brasileiro Carlos Saldanha, marcado para esta quinta-feira, 11, é ótimo. Quem sabe essa mensagem dita em tela grande, tão no início de 2018, faça com que o ano seja melhor, nesse sentido, do que 2017.

Era um bezerro apreciador do cheiro das flores transforma­do pelos anos em um gigante, assustador e gentil touro. Deveria ser um animal disposto a ingressar nas questionáv­eis touradas em Madri, a tumultuada e linda capital da Espanha. Não é isso, contudo. O bicho não quer saber de correr atrás de uma bandeira vermelha sacolejant­e e levar espetadas de toureiros por aí. Seus planos incluem a sombra de um árvore e o perfume dos mais variados buquês. Opõem-se, sem entender direito o motivo disso, às tradições, aos ensinament­os passados de pai para filho, ao que a sociedade espera dos touros – pensam neles como feras gigantesca­s, indomáveis, temíveis. Ferdinando é tão doce quanto minha tia Janice ou aquela pessoa amável próxima de você. Quer paz, não guerra.

Há um bom punhado de subtextos ali – um deleite para os pais que levarão a criançada para as salas de cinema durante as férias escolares. A mais clara, óbvio, é a crítica às touradas na Espanha – a agonia de um bezerro a esperar pela volta do pai, que nunca acontece, é de rachar até mesmo o coração mais rígido. Todos se mostram ao longo da viagem de Ferdinando, confundido com um touro agressivo e levado até uma arena de touradas, como no livro de Munro Leaf.

O que Saldanha avança, na narrativa de O Outro Ferdinando, é questionar: “O que define você?”. Ferdinando e Valente são ambos bezerros de uma mesma geração. Um é afetado pela agressivid­ade do ambiente no qual está inserido, aceita a função que lhe é imposta; inocenteme­nte, Ferdinando pergunta ao pai: “E se meu sonho for outro?”. Ouve que sonhos, às vezes, mudam. No caso do cheirador de flores mudou pouco. No caso do touro obrigado a ser valentão, as coisas são diferentes. E mais doloridas. Quem está certo?

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