O Estado de S. Paulo

Nas telonas e nos palcos

‘Hollywood’, de David Mamet, fecha trilogia com peça que sugere assédio na indústria do cinema

- Leandro Nunes

Muito antes que a Netflix tirasse o presidente dos EUA, Frank Underwood, de House Of Cards, e abreviasse a carreira de Kevin Spacey, em 2008 o ator estrelava Speed The Plow (1988), em que vivia um produtor de cinema que apostava com seu pupilo quem passaria uma noite com a bela secretária substituta do escritório. Seja pelo famigerado ‘a arte imita a vida’, a primeira denúncia contra o ator compreendi­a justamente o período – entre 2004 e 2015 – em que esteve na direção do The Old Vic, em Londres, e em cartaz com a peça de David Mamet.

Diante do teatro, um palco tão sagrado, a versão brasileira batizada de Hollywood – o original sugere um cumpriment­o de boa sorte pelo fruto de um bom trabalho realizado – estreia nesta quinta, 11, no Sesc Pinheiros. Se ainda não é possível prever um futuro aprazível para Spacey, seu personagem segue solto na montagem da Cia Teatro Epigenia, conduzida por Gustavo Paso. Em 2014, o diretor começou o projeto de apresentar um trilogia de textos de David Mamet, primeiro com Oleanna, uma montagem que apontava os riscos agudos da falta de comunicaçã­o, em meio a um bate-boca entre Carol e seu professor, acusado de assédio sexual. “Aqui, ela vai até as últimas consequênc­ias, além de registrar uma queixacrim­e contra o professor, faz ele perder até seu patrimônio”, conta o diretor.

Na segunda empreitada, Race – escolhida pelo Estado como um dos destaque 201 7 –, não havia escrúpulos ou atenuantes para os bastidores de um escritório de advocacia que recebia a acusação de estupro feita por uma mulher negra contra um homem branco. Na equipe, a estagiária negra Susan não apenas cumpria suas funções de rotina, mas seus interesses no caso mudariam o destino do veredicto. “É uma peça que fala a brancos e negros, racistas e ativistas”, define o diretor.

Ambas as peças, que passaram por Rio, São Paulo e Minas Gerais, mais Hollywood, que estreou na capital carioca, atraíram mais de 30 mil espectador­es, segundo o diretor, incluindo a temporada da peça infantil Casa Caramujo, no Rio. Os temas polêmicos eram debatidos com a plateia e os atores logo após a sessão. “Em geral, as mulheres falavam que sentiam enjoo”, conta Paso. “Por outro lado, muitos homens não percebiam atitudes machistas praticadas pelos personagen­s”, aponta a atriz Luciana Fávero, no papel de Karen.

Hollywood vai se entranhar nos meandros da produção de entretenim­ento. A peça é definida como uma comédia, embora seu riso surja mais nervoso e menos frequente, dado o absurdo das declaraçõe­s. Em um momento, Karen questiona Tony Miller (Rubens Caribé) se o filme que ele quer rodar é bom. O período de silêncio acompanhad­o da cara de dúvida – “você quer saber se o filme é bom?” – revela as prioridade­s dessa indústria. “O filme é um bom produto”, devolve Tony. O pupilo Daniel Fox (Iuri Saraiva) não carrega só a agilidade graciosa de uma raposa no nome, mas encarna um quê de palhaço que se comunica por meio de trocadilho­s com nomes de filmes, mas que também sabe rosnar quando percebe que sua presa vai fugir. “A aposta deles vai ser surpreendi­da, e o que era uma brincadeir­a ameaça os rumos de uma produção milionária”, diz o diretor.

O tema de Hollywood e a capacidade do cinema de fabricar ilusões são tão caros a Mamet, que fizeram o autor, também roteirista

e diretor cinematogr­áfico, retomar, mais tarde, a discussão nos longas Deu a Louca nos Astros (2000) e Mera Coincidênc­ia (1997). Nesse último, o personagem de Robert De Niro vai atrás de um produtor de Hollywood para forjar uma guerra na Albânia a fim de distrair a atenção pública sobre uma denúncia de escândalo sexual envolvendo o presidente dos EUA. Talvez Donal Trump e Spacey não saibam, mas a colheita de Hollywood chegou. HOLLYWOOD Sesc Pinheiros. R. Paes Leme, 195. Tel.: 30959400. 5ª, 6ª, sáb., 20h30. R$ 25. Estreia 11/1. Até 10/2.

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GABRIELA BILÓ/ESTADÃO Filmão. Trio fala do poder dos blockbuste­rs

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