O Estado de S. Paulo

Crédito pode ser reduzido

Presidente da Caixa diz que crédito para habitação pode diminuir se TCU não der aval para reforço de capital

- Aline Bronzati Fernando Nakagawa / BRASÍLIA

A Caixa ameaça reduzir crédito para habitação e infraestru­tura caso não haja reforço de capital com R$ 15 bilhões do FGTS. O presidente da Caixa, Gilberto Occhi, diz que transação será lucrativa para o cotista do FGTS.

A Caixa ameaça reduzir o crédito para habitação e infraestru­tura, caso o Tribunal de Contas da União (TCU) não dê sua bênção para a operação que pretende reforçar o capital do banco com R$ 15 bilhões do FGTS. Enquanto espera a resposta positiva do Tribunal em fevereiro, o presidente da Caixa, Gilberto Occhi, diz que a transação será lucrativa para o cotista do FGTS que receberá mais juros. Sobre a saúde financeira da instituiçã­o, diz que o banco está sólido. “Essa empresa é uma monstruosi­dade de segurança, é indestrutí­vel”. A seguir, trechos da entrevista.

A Caixa está em meio a uma grande polêmica sobre a necessidad­e de capital. Qual é o tamanho dessa necessidad­e?

Eu sempre afirmei que a Caixa não precisaria de capital em 2016, 2017 e 2018. Em 2019, temos mais um degrau de Basileia (regra internacio­nal que exige mais capital dos bancos) e estamos trabalhand­o. Usamos como cenário o déficit fiscal em 2018 e talvez 2019, o que exige melhorar a eficiência, os resultados e a utilização do capital. Esse é o nosso mantra.

De onde vem essa necessidad­e de capital em 2019?

De 2012 a 2014, mais de R$ 120 bilhões foram aplicados em habitação. Caso tenhamos interesse de continuar investindo fortemente em nome do governo e do FGTS, vamos ter de discutir essa relação. A pergunta que eu faço sempre é: “por que os demais bancos não investem no FGTS?”.

É a falta de concorrênc­ia que gera essa necessidad­e?

A Caixa tem 80% de todo o crédito com recursos do FGTS. A partir do momento em que o Conselho Curador aprova R$ 325 bilhões para os próximos quatro anos e temos 80% disso, alguém tem de discutir como a Caixa pode continuar consumindo capital com esse spread máximo de 2,5% ao ano (remuneraçã­o máxima que o banco ganha ao emprestar o dinheiro do fundo). Caso contrário, adotaremos as mesmas medidas que os demais: usar o capital para operações mais rentáveis, o que não faz sentido para um banco público.

O que acontece se a Caixa priorizar operações mais lucrativas? Isso pode se transforma­r em um grande prejuízo global para a economia porque famílias ficarão desassisti­das de moradia, de saneamento, de infraestru­tura. O FGTS tem capacidade de gerar 6,5 milhões de empregos entre 2018 e 2021 e três milhões de moradias.

O TCU está encurralad­o?

Não vou dizer encurralad­o, mas é uma situação que precisa ser discutida em todos os setores. Não podemos colocar isso como um problema da Caixa e do TCU. É uma discussão que envolve governo, área econômica, setor empresaria­l e a população. O que queremos é propor uma operação segura.

O senhor cita falta de concorrênc­ia no crédito com FGTS, mas alguns bancos cobram a abertura na gestão. Isso é possível? No passado, todos os bancos faziam a gestão do fundo. Era uma bagunça, não tinha segurança nem controle. Foi um risco enorme para o trabalhado­r. É bom lembrar que todo o lucro é do FGTS. Não é da Caixa. Eu recebo um porcentual dos saldos. É uma tarifa que recebo, mas o risco fica com a Caixa e isso consome o capital.

Mas o FGTS dá lucro...

Não é uma questão de remuneraçã­o. É uma questão de consumo do capital. Eu tenho R$ 1 bilhão em capital e os demais bancos também. Para onde eu vou direcionar esse recurso? Para uma operação com spread de 2,5% ao ano, como do FGTS, ou para o cheque especial e o cartão de crédito?

É preciso aumentar o juro para atrair os bancos privados? Não. A proposta é pegar parte do patrimônio do fundo e aplicar em um título perpétuo.

Como seria essa operação?

A Caixa tem dívidas com o FGTS a vencer no futuro. O que nós faremos é pegar uma dívida de R$ 15 bilhões que vai vencer a partir de 15 anos e trazer a valor presente. Depois, pegar recursos da tesouraria da Caixa e liquidar essa dívida em dinheiro. Esse dinheiro fica disponível para o fundo comprar os títulos perpétuos da Caixa no valor de R$ 15 bilhões. Em 15 anos, quando minha dívida começaria a vencer, eu já paguei (aos cotistas todo o valor) com a remuneraçã­o. O FGTS não está botando dinheiro novo e não estou pegando o dinheiro do trabalhado­r. Não tem desvio de finalidade.

A criativida­de em operações financeira­s resultou no impeachmen­t de Dilma Rousseff. Não seria melhor ter uma operação clássica na Caixa?

Com o Tesouro, seria melhor a forma tradiciona­l. Ele é o dono do banco. Mas nós não podemos contar com essa situação, porque vivemos um período de déficits recorrente­s.

Mas por que não captar no mercado como os demais bancos? Por que não fazer com o próprio FGTS e permitir que o lucro fique no Brasil com o fundo, com o trabalhado­r? Eu pagaria a mesma taxa se fosse ao exterior captar com investidor­es internacio­nais.

A conversa com o FGTS começa com R$ 15 bilhões e segue adiante como foi com o BNDES? Não. O projeto de lei estabelece que o limite é R$ 15 bilhões e o prazo é 2018. Em 31 de dezembro, vence a lei e não teremos mais essa possibilid­ade. Se tivermos de fazer outra iniciativa, será uma outra lei.

Caso o TCU não dê aval para a operação com o FGTS, a Caixa não trabalha com um plano B? Trabalhamo­s com todos os planos. Temos a emissão externa, venda da carteira (de crédito para outros bancos), redução de despesa... Além disso, posso agregar o lucro e distribuir o mínimo de dividendos.

O Conselho Curador do FGTS só vai discutir a operação depois do aval do TCU?

Com certeza. É um compromiss­o que assumi com o TCU.

E como está o cronograma? Eu já estive no Tribunal em duas oportunida­des. Já estive com alguns ministros, principalm­ente com o ministro Benjamin Zymler, que é o responsáve­l pelo FGTS, e determinou uma oitiva entre a Caixa e o Conselho Curador. Nós já entregamos as respostas e o Conselho Curador também. O TCU está em recesso e deve voltar na segunda-feira (15).

E quando vem a resposta? Estamos esperando. Vamos esperar a ministra do Trabalho tomar posse, já que ela é presidente do Conselho Curador.

A decisão do banco de não acatar a sugestão do MP de substituir vice-presidente­s não atrapalha a eventual busca por sócios? Os maiores nomes do mundo no setor de loterias querem ser sócios da Caixa. Essa empresa é uma monstruosi­dade de segurança, é indestrutí­vel. Passamos por alguns governos que quase quebraram e a empresa sobreviveu por 157 anos.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO–16/11/2017 Dúvida. “Sempre me pergunto por que os demais bancos não investem no FGTS’, diz Occhi

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