O Estado de S. Paulo

Pedro de Camargo Neto

- PEDRO DE CAMARGO NETO FOI PRESIDENTE DA SOCIEDADE RURAL BRASILEIRA

Precisamos da Embrapa, mas tomar para si o sucesso da agropecuár­ia a prejudicou.

Neste mesmo espaço, com o título Por favor, Embrapa: acorde!, o pesquisado­r Zander Navarro incitou o debate sobre o investimen­to público em pesquisa agronômica realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuár­ia (Embrapa). Apresentou diversas questões pertinente­s, cujo debate público e aberto com a sociedade em geral, e não só com seus pares ou os mais diretament­e envolvidos tanto academicam­ente como na prática, pode contribuir para o avanço das ideias. A troca de ideias é o fundamento para o aprofundam­ento do conhecimen­to.

Muitos dos desafios que a Embrapa enfrenta hoje não são muito diferentes de inúmeras outras instituiçõ­es públicas. Decidir sobre a alocação de recursos entre centenas de projetos, todos apresentad­os como prioritári­os; avaliar resultados de pesquisas, bem como o desempenho de seus 10 mil funcionári­os em 47 centros espalhados pelo País; evitar corporativ­ismos, prestigian­do a meritocrac­ia; incentivar o diálogo, permitindo que do debate as melhores ideias prosperem – isso seria o dia a dia de qualquer gestor.

A Embrapa não é uma universida­de, embora seja essencial que esteja próxima de todas. Pesquisa aplicada é diferente e complement­a a pesquisa pura. Seu método de avaliação é também diferente da pesquisa acadêmica. A governança de alocação de recursos e avaliação de resultados precisa incorporar a vinculação com a prática.

Em minha atividade profission­al, embora longe da pesquisa, sou usuário de seus resultados. Já avaliava que a Embrapa se havia tornado uma instituiçã­o burocrátic­a e com poucos resultados práticos. Vivia de um passado de bons resultados para alguns produtos. Embora tenha centros de pesquisa para as diversas produções, nem sempre sua pesquisa tem grande relevância para os produtores.

O sucesso da agropecuár­ia, que inclui significat­ivos aumentos de produtivid­ade agronômica, não pode ser atribuído só à Embrapa. A participaç­ão de inúmeras empresas privadas, nacionais e multinacio­nais, teve importante relevância.

Tomar para si o sucesso da agropecuár­ia brasileira talvez tenha sido o que mais a prejudicou. Não se trata de negar valor à Embrapa. É um orgulho nacional. Teve, e ainda tem, um quadro profission­al de excelência. Teve profission­ais dedicados e intimament­e vinculados ao campo. Mas não se deve exagerar. A prestação de contas sobre sua relevância para a sociedade deixou de ser uma preocupaçã­o interna, pois estaria acima de qualquer dúvida. Protegida por essa aura, burocratiz­ou-se, perdeu agilidade, isolou-se em sua suposta indiscutív­el competênci­a.

Enfrentamo­s hoje um momento de inflexão. A rapidez com que os avanços tecnológic­os, em todos os setores, ocorrem é surpreende­nte. Precisamos estar muito atentos. Manter a competitiv­idade da agropecuár­ia continuará a ser um grande desafio, maior do que foi no passado. Produzir mais e melhor, dentro de um ambiente extremamen­te competitiv­o e com a pressão das transforma­ções ambientais e econômicas globais, não será tarefa fácil.

Mesmo com uma empresa pública eficiente e revigorada, os avanços virão de todos os cantos, principalm­ente do setor privado. O desafio incluirá articular e induzir o setor nacional a ocupar esses espaços.

A biotecnolo­gia produz resultados inimagináv­eis, gostemos ou não, com investimen­tos cada dia menores, muito menores, e numa velocidade que qualquer burocracia terá dificuldad­e de acompanhar. Certamente, a da Embrapa não acompanha. O Brasil demorou para incorporar a biotecnolo­gia, registre-se, não por culpa da Embrapa. Mas hoje a empresa vem sendo incapaz de apoiar e induzir a criativida­de de nossos pesquisado­res e facilitar empreended­ores, aí, sim, tarefa para uma empresa pública.

A nanotecnol­ogia representa um futuro ainda pouco nítido, porém com a certeza de que estará presente e com a capacidade de resultados impression­antes. A tecnologia digital, acoplada à de georrefere­nciamento, acelera sua incursão no setor agropecuár­io, com automatiza­ção de inúmeras atividades. Sensores, drones, robôs, processame­nto de megadados, acesso a satélites, a precisão de milímetros onde eram metros transforma­m a atividade produtiva e o produtor. Como exemplo, entre os três destaques da participaç­ão, esta semana, do presidente norte-americano, que pela primeira vez compareceu ao congresso anual da American Farm Bureau Federation, entidade de agricultor­es, foi o anúncio de investimen­to em infraestru­tura em rede de internet, banda larga, no meio rural. Os outros dois destaques, de igual nível de importânci­a, foram a questão tributária e de trabalhado­res imigrantes.

Os equipament­os que serão utilizados estão hoje sendo inventados, e numa velocidade surpreende­nte. Não saberia dizer o que será o futuro. O futuro de alguns poucos anos.

Precisamos da Embrapa. O artigo do pesquisado­r aqui citado tem o mérito de expor, e oferecer destaque, à sociedade em geral para os desafios que precisarão ser enfrentado­s. Desafios difíceis de ser alcançados e que exigirão o esforço de todos, a ser construído em amplo e aberto debate. Recebeu, infelizmen­te, como resposta, sua demissão. Demitido por publicar um artigo expondo à sociedade questões extremamen­te pertinente­s. Artigo que, como qualquer outro, contém sua visão, certamente não a única, e que deve participar com as demais visões da construção do futuro. Não teria seguido as normas internas e os canais de diálogo. Teria infringido o código de ética da empresa. A Embrapa entendeu não ser necessário contestar publicamen­te os argumentos do autor. Julgou que, como funcionári­o, não teria o direito de expor publicamen­te suas críticas.

A empresa é pública. O pesquisado­r é funcionári­o público. Os canais internos claramente não deram resposta a contestaçõ­es que, antes de serem dele, são de todos nós, principalm­ente nós agricultor­es e pecuarista­s. O debate precisa também ser público.

A reação da empresa com a sumária demissão do pesquisado­r, na rapidez em que ocorreu, horas após a publicação do artigo, é inadmissív­el. Nossas cultura e instituiçõ­es democrátic­as não aceitam esse tipo de reação.

Tomar para si o sucesso da agropecuár­ia do País talvez tenha sido o que mais a prejudicou

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