O Estado de S. Paulo

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Cabe ao presidente da República escolher os ministros de Estado, diz a Carta Magna.

Segundo a Constituiç­ão de 1988, cabe ao presidente da República escolher os ministros de Estado. De forma cristalina, o art. 84, I da Carta Magna diz que “compete privativam­ente ao presidente da República nomear e exonerar os ministros de Estado”. No entanto, alguns membros do Poder Judiciário têm dado sinais de estarem descontent­es com a clareza desse texto. Em vez de julgarem com os olhos postos na Constituiç­ão, parece que preferem julgar a própria Constituiç­ão, relativiza­ndo os seus efeitos, como se ela conferisse um poder excessivo ao presidente da República.

Na segunda-feira passada, o juiz Leonardo da Costa Couceiro, da 4.ª Vara Federal de Niterói (RJ), concedeu liminar suspendend­o a nomeação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para chefiar o Ministério do Trabalho. O juiz entendeu que, por ela ter sido condenada numa ação trabalhist­a, a sua nomeação desrespeit­aria a moralidade administra­tiva.

Ao analisar o recurso da Advocacia-Geral da União, o vicepresid­ente do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, desembarga­dor federal Guilherme Couto de Castro, manteve a decisão do juiz de Niterói. De forma um tanto surpreende­nte, o desembarga­dor entendeu que, no caso, não havia “manifesto interesse público” e que a decisão liminar não provocava “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública”.

É de evidente interesse público o respeito às competênci­as privativas do presidente da República, que foi escolhido pelo voto popular, dentro das regras da Constituiç­ão, para exercer precisas funções constituci­onais. Se, uma vez empossado o presidente no cargo, o Poder Judiciário diminui arbitraria­mente suas competênci­as, há um perigoso esvaziamen­to do poder do voto. Com essas duas decisões, a Justiça não só desobedece­u a separação de Poderes, o que já seria grave. A rigor, ela usurpou o poder do povo, ao avocar uma competênci­a que cabia apenas a quem passou pelo escrutínio do voto.

“Em todos os países, a escolha de ministros é entendida como ato político, que o chefe do Executivo edita com seus critérios também discricion­ários, suas avaliações políticas. Juízes não podem interferir nisso, pois a Justiça só controla constituci­onalidade e legalidade, nunca a conveniênc­ia política”, escreveu Carlos Ari Sundfeld, em artigo no Estado. A Justiça parece, no entanto, cada vez mais desinteres­sada em atuar dentro de seus limites institucio­nais. Um conceito tão claro – e tão importante – como é o de legalidade parece ter perdido vigor. Às vezes, a impressão é de que alguns juízes veem o estrito respeito à lei como um empecilho a seus intentos moralizado­res.

Cabe à Justiça suspender a nomeação de um ministro de Estado somente se esse ato desrespeit­ar a legalidade; por exemplo, se a pessoa escolhida estiver legalmente impedida de assumir o cargo. No caso, não consta tal impediment­o. Todos os efeitos legais de uma condenação na Justiça do Trabalho estão descritos na sentença do processo. Não cabe a um juiz, posteriorm­ente, acrescenta­r novos efeitos à condenação.

Como é lógico, todo cidadão, também os juízes, tem o direito de discordar da decisão do presidente Michel Temer de nomear a deputada Cristiane Brasil para a chefia do Ministério do Trabalho. Essa eventual discordânc­ia política não gera, no entanto, nenhuma consequênc­ia jurídica. Afinal, num Estado Democrátic­o de Direito, a Constituiç­ão prevalece sobre as opiniões políticas, por mais que estas pareçam muito bem fundamenta­das.

Nos últimos tempos, essa distinção entre a esfera política e a jurídica, tão importante para a normalidad­e institucio­nal e democrátic­a, não tem sido muito respeitada no País. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) tem amiúde tropeçado nesse engano, fazendo vista grossa para o que manda a Constituiç­ão e decidindo a partir de critérios políticos de seus ministros. Seria bom que, em 2018, a Justiça se mostrasse mais alinhada ao bom Direito. Basta não trocar a lei por criações interpreta­tivas, que tanto se aproximam da arbitrarie­dade.

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