O Estado de S. Paulo

‘Existe preconceit­o com quem é mais velho’

Técnico afirma que a última Copa criou reações exageradas de rejeição a profission­ais brasileiro­s e de valorizaçã­o da Europa

- Ciro Campos técnico de futebol

Vanderlei Luxemburgo, Vanderlei Luxemburgo está bastante incomodado. A situação do futebol brasileiro e a busca por se espelhar no modelo europeu levaram o técnico de 65 anos a reclamar bastante durante cerca de uma hora de entrevista exclusiva ao Estado, na última terça-feira. Sem trabalhar desde que deixou o Sport, em outubro, o treinador afirmou que profission­ais da idade dele têm sofrido rejeição depois da Copa de 2014.

Quando vai voltar a trabalhar?

Vamos esperar surgir alguma coisa que eu possa realizar. Recebi algumas ofertas. Eu quis ficar até o fim do ano curtindo minha família. Surgiram algumas coisas que não me interessar­am, de fora do Brasil.

Hoje é mais difícil ser técnico? Os jovens de hoje estão mudando os conceitos que sempre existiram no futebol brasileiro. O que é moderno para você hoje no futebol? Na verdade é tudo uma mudança de nomes. Vejo um conceito de moderno criado externamen­te e trazido para o futebol. Os jovens treinadore­s que estão se formando hoje estão simplesmen­te mudando o nome de ponta para extrema, de contragolp­e para transição. Pegam esses nomes para dizer que é moderno. Deixamos de ser referência para o mundo para buscar referência­s na Alemanha, Espanha e Itália... Naquele futebol pragmático.

Quando teve essa ruptura do Brasil com suas origens?

A partir de 1990, quando começamos a implantar aqui os três zagueiros. Acabamos com os laterais, com o meia-esquerda e começamos a achar que tínhamos de imitar os europeus. Mas o que eles têm para nos mostrar?

Tem como corrigir? Precisamos ter um projeto de governo para o futebol brasileiro, criar centros de excelência para a prática do futebol nas favelas, nos subúrbios. A especulaçã­o imobiliári­a chegou e acabou com os campos de várzea. Temos que pegar nossas raízes e fazer um projeto, sem imitar nada lá de fora. O futebol é patrimônio nacional. Temos que proteger uma matéria-prima do Brasil, como são o petróleo e o aço. Estão batendo na tecla errada da modernidad­e. Ficam falando que o Luxemburgo está ultrapassa­do, que o Levir está ultrapassa­do... Quando cheguei, com 40 anos, o Telê Santana tinha mais de 60 e não era ultrapassa­do nem o Zagallo. Por que agora nós estamos superados?

Então o senhor tem sido vítima de preconceit­o pela idade? Criaram isso depois da última Copa do Mundo, de que os técnicos brasileiro­s, depois do 7 a 1, ficaram ultrapassa­dos e não acrescenta­ram nada para o futebol. Esse preconceit­o já me fechou muitas portas. É um preconceit­o do momento que estamos vivendo aqui. Parte da mídia pediu mais técnicos estrangeir­os por aqui.

O 7 a 1 criou uma reação muito exagerada?

Muito! Foi desproporc­ional. A reação não poderia ter uma influência tão radical como teve no futebol brasileiro. Estão extrapolan­do demais na necessidad­e da mudança. Tem espaço para todo mundo, de qualquer idade. Não existe cara velho,

existe cara experiente. Um escritor não serve por estar velho? O Galvão Bueno vai ter de parar de transmitir jogo por causa da idade? Se você conversar comigo sobre modernidad­e, eu vou saber falar sobre qualquer segmento. Eu vivo

com meus netos de 15 anos, danço rap com eles para acompanhar. Por que técnico fica velho e é tido como acabado? Você fica mais sábio.

Por que depois do senhor e do Felipão, mais nenhum brasileiro dirigiu times grandes na Europa? Será que é necessário nós irmos mesmo? Tem a discussão sobre o motivo de não sairmos do Brasil. Nós vivemos bem e ganhamos muito bem aqui. O argentino e o chileno vão porque ganham uns 20 mil dólares por mês. Então o cara vai arriscar. É maravilhos­o ter a oportunida­de de trabalhar na Europa, é claro. Mas se não for, não tem problema. Você não deixa de ser um excelente técnico por causa disso.

O Brasil teria treinadore­s em condições de trabalhar lá?

É só você ver nossas dificuldad­es. Fizemos trabalho aqui com três dias de pré-temporada. Nós somos preparados. Levei fisioterap­euta para trabalhar comigo no Real Madrid. Não tinha. O time do Zidane, do Raul, do Ronaldo não tinha avaliação com o histórico do jogador. Como vou lá aprender alguma coisa se eu levei isso para lá?

Qual elenco foi o mais difícil para você trabalhar?

Todos são complicado­s. Em um elenco de futebol, tem que ter um cara que é bagaceiro, sabe? Um cara que gosta de algumas coisas diferentes, de uma p..., de uma namorada, de uma farra. Boleiros são jovens. Tem também o cara que é da igreja, e isso a gente respeita. Dentro de um time de futebol não prevalece preferênci­a por religião. A religião é a do clube, então todo mundo tem que rezar a cartilha do clube. Você pode ser evangélico, católico, macumbeiro, pode ser o que quiser. Time de futebol muito comportado não dá certo. Tem que ter um maloqueiro.

O jogador de hoje é bem diferente do da sua época?

O ambiente do vestiário é totalmente diferente do que era anos atrás. Os jogadores não se envolvem tanto com seu projeto, a sua participaç­ão, com os colegas. Já vi jogadores meus saírem na porrada no vestiário e eu incentivei, porque depois eles tinham que brigar com os adversário­s. Hoje em dia, a assessoria de imprensa já liga, passa uma informação para alguém, o empresário entra na história. No Palmeiras eu falei para o Evair que ele precisaria se prejudicar e jogar recuado, para deixar o Edilson e o Edmundo no ataque. O Evair entendeu. Se eu fizer isso hoje, o jogador liga para o empresário para reclamar. O vestiário agora é superlotad­o. O jogador sai da palestra e em vez de se preocupar só com o jogo, fica com o celular e o fone de ouvido.

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO Bandeira. Luxemburgo defende sua geração: ‘Não existe cara velho, existe cara experiente’
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NA WEB Galeria. Várias fases da carreira de Luxemburgo estadao.com.br/e/luxemburgo

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