O Estado de S. Paulo

A mesma regra para todos

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Aregra de ouro das contas públicas estabelece que a União não pode se endividar para pagar gastos correntes, mas apenas despesas com investimen­to e refinancia­mento da dívida. É uma boa regra constituci­onal, pois proíbe uma geração de empurrar para as próximas o custo de um Estado gastador.

A regra, porém, precisa de ajustes. Ela não prevê mecanismos de correção de rumo quando violada e não tem conseguido ser instrument­o indutor do ajuste fiscal necessário para seu cumpriment­o.

Apesar do aumento da transparên­cia das contas públicas no governo Temer, não está suficiente­mente claro para a classe política, o Judiciário e a sociedade o tamanho da crise fiscal e a importânci­a da regra de ouro.

Não cumprir a regra de ouro implica ameaça ao mandato presidenci­al, que passa a depender da autorizaçã­o do Congresso para contratar crédito extra.

Para 2019 há uma complicaçã­o adicional, pois já se sabe de antemão que não há como a regra ser atendida, por conta dos elevados e crescentes gastos obrigatóri­os, como o da Previdênci­a. O Executivo não pode enviar ao Congresso um orçamento para 2019 que viole as normas legais.

A necessidad­e de ajuste no orçamento é da ordem de expressivo­s R$ 200 bilhões, o que talvez só possa ser realizado ao longo de alguns poucos anos. Nesse ínterim, alguma flexibiliz­ação da regra de ouro poderá ser necessária para evitar a paralisaçã­o de serviços públicos (shutdown).

Chegar a esta situação foi um grave erro do País. Reformas foram irresponsa­velmente adiadas e os órgãos de controle se omitiram.

Flexibiliz­ar a regra sem qualquer contrapart­ida é algo a ser evitado a todo custo. Abre-se perigoso precedente. Ademais, já deixamos uma herança terrível para os jovens, de um País que cresce pouco. Não podemos aumentar a fatura.

Qualquer flexibiliz­ação deveria ser condiciona­da um plano de controle das despesas, como pretendido pelo governo. Ventilou-se congelar o valor dos rendimento­s do funcionali­smo e abrir a possibilid­ade prevista na Constituiç­ão de reduzir a jornada e os salários dos servidores. Além disso, os três poderes e os órgãos independen­tes, como Ministério Público e Defensoria Pública, precisam ser abrangidos pelas contrapart­idas. O custo do ajuste não pode recair apenas sobre o Poder Executivo.

Prazos e vedação para flexibiliz­ações futuras precisam ser estabeleci­dos para que a regra não gere leniência com a crise fiscal, muito menos autorizaçã­o para mais concessões a grupos de interesse.

Seria importante também reforçar os incentivos da regra de ouro para a execução do ajuste fiscal. A proposta deste artigo é estender a responsabi­lidade pelo cumpriment­o da regra de ouro aos chefes do Judiciário e do Legislativ­o, não se limitando apenas ao Executivo.

No desenho atual, não apenas esses poderes não têm incentivo algum para contribuir para o ajuste fiscal, como ambos, com frequência, criam obrigações à União, que é a única responsabi­lizada pelo descumprim­ento da norma constituci­onal.

Os poderes têm tomado decisões sem considerar suas implicaçõe­s fiscais. Um equívoco.

Decisões do Judiciário têm atrapalhad­o o ajuste fiscal, como na liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowsk­i suspendend­o o adiamento do reajuste dos servidores e a elevação da contribuiç­ão previdenci­ária, e a de Luiz Fux autorizand­o o auxílio-moradia a juízes. Isso quando não impõe perdas à União, como nas liminares em 2016 a favor dos Estados que questionav­am o cálculo de suas dívidas.

No Congresso, a fragilidad­e do presidente tende a ser explorada politicame­nte. O mandato presidenci­al fica ameaçado caso o Congresso não aprove as reformas necessária­s ao equilíbrio fiscal.

A responsabi­lidade pelo atendiment­o da regra de ouro precisa ser compartilh­ada, criando incentivos para posturas fiscalment­e responsáve­is de todos os poderes. Quem sabe se fosse assim, a reforma da Previdênci­a já teria sido aprovada. O modelo atual fragiliza as contas públicas e a democracia.

Responsabi­lidade sobre a regra de ouro deveria valer também para o Judiciário e o Legislativ­o

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