O Estado de S. Paulo

A saída para a crise estadual

- RAUL VELLOSO

Apior recessão de nossa história desabou sobre entes estaduais fragilizad­os por sérios problemas estruturai­s. Há diversos suborçamen­tos, com donos que pouco conhecemos, que não pagam seus próprios inativos nem contribuem como empregador­es: Legislativ­o, Judiciário, Ministério Público, as áreas de educação e saúde, entre outros, todos com receitas cativas. Ao fim, sobra para os governador­es uma margem reduzida para cobrir o déficit previdenci­ário total e gastos mínimos dos orçamentos não protegidos por receitas cativas, nos quais se incluem os combalidos investimen­tos. Com a recessão, a margem mínima praticamen­te desaparece­u. Apenas culpá-los ajuda pouco.

A saída é retirar do suborçamen­to residual a responsabi­lidade de lidar com a totalidade da insuficiên­cia financeira do regime dos servidores (Regime Próprio de Previdênci­a Social – RPPS). E, depois, obrigar todos os suborçamen­tos a arcarem com o ônus dos seus próprios aposentado­s, presentes e futuros. Isso requer, de um lado, um conjunto de ações visando a conhecer o déficit real, melhorar a gestão de benefícios e identifica­r novas receitas e ativos monetizáve­is, tais como royalties, “dívida ativa”, imóveis, participaç­ões acionárias e recebíveis imobiliári­os.

Posteriorm­ente, deve ser criada uma contribuiç­ão extraordin­ária, suplementa­r, por prazo determinad­o, patronal e dos servidores, aposentado­s e pensionist­as, visando a equacionar o déficit financeiro e atuarial do RPPS. De um lado, essa medida faria com que os suborçamen­tos (saúde, educação e poderes) pagassem parte do déficit da previdênci­a de seus servidores; e, de outro, que os beneficiár­ios também ajudassem a cobrir o rombo, sem que toda a conta fique sob responsabi­lidade da população. A alíquota seria variável por ente, de acordo com o tamanho de seu déficit, e seria ajustada anualmente, de acordo com avaliação atuarial.

Como essas medidas trariam um equilíbrio atuarial da Previdênci­a, mas em muitos casos não haveria liquidez de curto prazo, torna-se indispensá­vel uma operação de compra, pelo Tesouro Nacional, digamos, de ativos dos RPPS de todos os entes. Essa operação, por meio de negociação individual­izada, estaria vinculada a um plano de redução de gastos e aumento das receitas, com metas de melhoria do resultado fiscal durante os 20 anos de vigência de um acordo assinado para tanto.

A participaç­ão da União seria fundamenta­l, tendo em vista que falhas de mercado dificultam (ou encarecem) a participaç­ão do setor privado. Adicionalm­ente, o volume de recursos deve ser muito superior àquilo que o mercado é capaz de absorver.

Os ativos dos RPPSs comprados pelo Tesouro Nacional seriam recebíveis futuros (a serem arrecadado­s nos próximos 20 anos), estruturad­os sob a forma de aplicações financeira­s, tais como cotas de fundos de investimen­to regulament­ados pela Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM) ou debêntures não conversíve­is em ações emitidas por securitiza­doras privadas ou empresas estatais não dependente­s. O pagamento seria feito por intermédio de títulos públicos e não afetaria o resultado primário. De forma suplementa­r, parte dessas aplicações financeira­s poderia ser adquirida por órgãos como o BNDES.

As operações tampouco afetariam o endividame­nto de Estados e municípios. A União poderia ter sua dívida bruta ampliada, mas a dívida líquida (de ativos financeiro­s) permanecer­ia constante. Além disso, como não sensibiliz­ariam o resultado primário, as operações não ameaçariam a consecução das metas fiscais e a proposta – pasmem – recolocari­a a “regra de ouro” de pé.

Operações similares foram feitas no passado, nos Estados do Rio (1999) e do Paraná (2000). Os efeitos de uma reforma previdenci­ária que se consiga aprovar em cada momento virão mais adiante, reduzindo os ajustes requeridos nas contribuiç­ões.

Essa proposta contou com a colaboraçã­o preciosa do especialis­ta Leonardo Rolim e está detalhada no artigo Pacto da Previdênci­a Solidária e Ajuste Fiscal, disponível para download em www.inae.org.br, como um dos capítulos básicos dos anais da sua edição de setembro de 2017.

A princípio, Temer gostou da ideia. Já a Fazenda preferiu jogar todas as fichas numa reforma da Previdênci­a inviável e os governador­es, aos leões.

A margem mínima de que os governador­es dispõem praticamen­te desaparece­u. Apenas culpá-los ajuda pouco

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