O Estado de S. Paulo

‘Espero que os EUA voltem a ter uma internet aberta’

Indicada por Obama, a democrata Mignon hoje é minoria na FCC de Trump; ela votou contra o fim da neutralida­de

- Bruno Capelas ENVIADO ESPECIAL A LAS VEGAS

Em dezembro de 2017, a agência reguladora de telecomuni­cações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) chocou o mundo ao acabar com a neutralida­de da rede – princípio básico da internet que impede operadoras de interferir­em na velocidade do tráfego de internet. Voto vencido na decisão, a comissária Mignon Clyburn, ligada ao Partido Democrata, acredita que a discussão está longe de chegar a um ponto final.

“Diversas entidades pretendem entrar na Justiça contra a decisão e há movimentaç­ões no Congresso para discutir a votação de dezembro”, afirma Mignon, após participar de um painel durante a Consumer Electronic­s Show (CES), feira de tecnologia que acontece nesta semana em Las Vegas, nos EUA. “Espero que a Justiça norte-americana reverta o fim da neutralida­de da rede.”

A discussão é complexa: além de afetar a inovação e a livre concorrênc­ia entre empresas de tecnologia, a votação foi cercada de suspeitas – a consulta pública realizada para fornecer subsídios à FCC, por exemplo, teve milhões de comentário­s falsos ou feitos por robôs virtuais a serviço da Rússia.

Na entrevista ao Estado, Mignon falou sobre o impacto que a votação da FCC pode ter nos EUA e no mundo. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Em dezembro, a sra. afirmou que a luta pela neutralida­de da rede não acabava na votação. Como está a luta hoje?

Sei que há movimentaç­ões no Congresso para questionar a decisão de dezembro. Da última vez que conferi, 41 dos 100 senadores norte-americanos apoiavam a neutralida­de da rede. É um número significat­ivo. Além disso, há mais de 120 deputados democratas e pelo menos três republican­os se manifestar­am a favor de discutir o assunto na Câmara. Muitos deles ouviram seus eleitores, que disseram se sentir vulnerávei­s, como cidadãos e donos de pequenos negócios, com as novas regras.

Há espaço para a discussão na Justiça dos EUA? A decisão da FCC de dezembro ainda não foi publicada no diário oficial norte-americano. Uma vez que isso acontecer, a porta está aberta para qualquer próximo passo. Diversos grupos já disseram que pretendem entrar com ações na Justiça tentando anular a decisão. A votação não foi o último capítulo dessa discussão. Espero sinceramen­te que a Justiça norte-americana ouça a vontade da maioria dos americanos e reverta o fim da neutralida­de da rede, para que os EUA voltem a ter uma internet aberta e transparen­te.

Quem serão os principais afetados pelo fim da neutralida­de da rede nos EUA, na sua visão?

São as startups, os inovadores, os pequenos negócios e as pessoas carentes. Sei que é preciso encontrar equilíbrio entre inovação e investimen­tos. Mas se não há meios para garantir acesso universal à internet, poderemos ter problemas. Pense na medicina: hoje, vemos muitos serviços sendo desenvolvi­dos com apoio da internet. Se mudarmos as regras do jogo, uma parte da população pode não ter acesso ao melhor serviço de saúde, porque não tem como pagar. Não faz sentido.

Seu trabalho é zelar pelos norte-americanos, mas a decisão de acabar com a neutralida­de da rede tem impacto global. Na FCC, houve discussões sobre o possível efeito cascata?

Não posso dizer que esse fator pesou na decisão de todos, mas eu refleti sobre o impacto do fim da neutralida­de da rede nos EUA poderia causar no mundo. Se o fim da neutralida­de da rede tem um efeito problemáti­co aqui, imagino o efeito cascata que ele pode causar em outros países.

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AARON P. BERNSTEIN/REUTERS Luta. Para Mignon, ainda há esperança
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