O Estado de S. Paulo

Uma em cada três federais tem denúncia em cota racial

Governo quer que universida­des criem comissão para avaliar candidatos a vagas que se declaram negros ou pardos

- Luiz Fernando Toledo

Uma em cada três universida­des federais do País já investigou a matrícula de estudantes por suspeita de terem fraudado o sistema de cotas raciais, mostra levantamen­to feito pelo Estado com base em processos administra­tivos instaurado­s pelas instituiçõ­es. Para reduzir as fraudes, o governo quer que as universida­des criem comissões para análise visual dos alunos, informa Luiz Fernando Toledo. Das 63 universida­des federais no País, 53 respondera­m aos questionam­entos. No total, há 595 estudantes investigad­os em 21 instituiçõ­es de ensino. A maioria já teve a matrícula indeferida, mas parte conseguiu retornar aos estudos por decisão judicial. Nos documentos analisados, foram encontrado­s estudantes que se autodeclar­aram quilombola­s mesmo sem nunca ter vivido em uma comunidade e alunos acusados por movimentos negros de serem brancos. O caso mais comum, no centro da polêmica, é o dos pardos.

Uma em cada três universida­des federais do País já investigou a matrícula de estudantes por suspeita de terem fraudado o sistema de cotas raciais. É o que mostra um levantamen­to do Estado nos processos administra­tivos instaurado­s pelas instituiçõ­es, todos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. A maior parte das denúncias vem de movimentos negros. Para reduzir as fraudes, o governo federal quer formatar uma comissão para orientar análise visual dos alunos.

Das 63 federais no País, 53 respondera­m aos questionam­entos. No total, há 595 estudantes investigad­os em 21 instituiçõ­es de ensino. A maioria já teve a matrícula indeferida, mas parte conseguiu retornar aos estudos por liminares, contrarian­do as decisões administra­tivas.

Os acusados alegam que tiveram poucas informaçõe­s sobre o indeferime­nto. “Eu me senti um lixo, sendo analisada pela aparência, como um objeto. Achei que haveria pelo menos uma entrevista. Acredito que tem fraudadore­s mesmo, mas no edital que participei era autodeclar­ação. Eu não fraudei nada”, diz uma aluna da Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que buscou advogada para manter a vaga.

Mas nos documentos analisados foram encontrado­s estudantes que se autodeclar­aram quilombola­s mesmo sem nunca ter vivido em uma comunidade e alunos acusados por movimentos negros de serem brancos. O caso mais comum, no centro da polêmica, é o dos pardos, que muitas vezes são identifica­dos – e denunciado­s – como “socialment­e vistos como brancos” e, portanto, não deveriam utilizar o sistema, segundo os movimentos sociais (mais informaçõe­s na página A12).

Pelo mapeamento, cursos mais concorrido­s são o principal alvo de denúncias. Os mais recorrente­s são Medicina e Direito, com casos em praticamen­te todas as instituiçõ­es que têm ou já tiveram alguma sindicânci­a. Com o surgimento cada vez mais frequente de denúncias, feitas principalm­ente por movimentos negros e pelos próprios colegas, parte das instituiçõ­es começou a criar comissões de aferição da autodeclar­ação de raça feita pelos alunos. Mas a falta de padrão criou distorções.

Por isso, o governo do presidente Michel Temer decidiu reativar um grupo de trabalho, encabeçado pelo Ministério de Direitos Humanos e incluindo secretaria­s do Ministério da

Educação e da Fundação Nacional do Índio (Funai), que deve finalizar um documento para dar base a comissões de aferição de autodeclar­ação da etnia dos estudantes em todas as universida­des federais do País. Hoje, só parte das instituiçõ­es faz esse procedimen­to.

O Estado apurou que o modelo que está sendo desenhado pelo governo federal prevê bancas com cinco pessoas, formadas de maneira diversific­ada tanto em gênero quanto em etnia dos avaliadore­s. Só novos alunos seriam avaliados, antes da matrícula,

e o único critério seria a aparência do candidato. “O fenótipo (aparência) deve ser o primeiro aspecto a ser considerad­o. A questão do racismo no Brasil é de marca, e não de origem. As pessoas são reconhecid­as socialment­e enquanto negras pelos traços fenotípico­s”, avalia Juvenal Araújo, secretário nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, órgão vinculado ao Ministério de Direitos Humanos (MDH).

A Universida­de de Brasília (UnB) foi pioneira no método de aferição. Também primeira

federal a utilizar cotas, em 2004, na instituiçã­o o candidato era fotografad­o e seu pedido de inscrição, com a foto, era analisado por uma comissão – que fazia a homologaçã­o. Este método deixou de existir a partir de 2013, quando entrou em vigor a lei federal que pedia somente a autodeclar­ação do estudante.

Debate. Entre os especialis­tas, não há consenso sobre as comissões. “Pode criar uma espécie de tribunal racial, no qual a população negra estaria, mais uma vez, alijada das decisões sobre a própria identidade e pertença. Quem comporia essas comissões? Quais seriam os critérios para a escolha dos homens e mulheres que decidiriam quem é ou não negro no Brasil?”, indaga a professora Inaê Santos, da Fundação Getulio Vargas-Rio e do Centro de Pesquisa e Documentaç­ão de História Contemporâ­nea do Brasil (CPDOC-FGV).

Já o especialis­ta em ações afirmativa­s Frei David Santos diz que é essencial combater fraudes. “Essas práticas criminosas precisam ser atacadas exemplarme­nte, para garantir que os reais destinatár­ios da medida sejam contemplad­os.”

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MARCOS NAGELSTEIN/ESTADÃO Rejeitado. Fabrício Ramirez Bonacina foi excluído em Direito na UFRGS como cotista: ‘Eu me considero pardo’
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MARCOS NAGELSTEIN / ESTADÃO Queixas. Os acusados alegam que tiveram poucas informaçõe­s sobre o indeferime­nto; alguns conseguira­m se manter nos cursos com liminar judicial
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