O Estado de S. Paulo

Suspeitas começaram no Sul

As primeiras denúncias envolvendo cotas vieram de movimentos sociais no RS

- PORTO ALEGRE E PELOTAS / LUIZ FERNANDO TOLEDO

As primeiras supostas irregulari­dades no uso das cotas apareceram por causa de denúncias de militantes do movimento negro. Na Universida­de Federal do RS, 440 alunos foram denunciado­s.

As primeiras possíveis irregulari­dades no uso das cotas começaram a aparecer por causa de denúncias de militantes do movimento negro. Na Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 440 alunos foram denunciado­s em um documento elaborado ao longo de quase um ano pelo Movimento Balanta de estudantes negros.

A denúncia só foi possível porque, desde 2016, a própria universida­de passou a divulgar, em seu site oficial, a modalidade de ingresso de cada um dos aprovados no vestibular, incluindo o fato de serem ou não cotistas, e por qual tipo de cota (apenas escola pública, renda ou raça).

Foi então que os alunos cruzaram esses dados com imagens dos colegas nas redes sociais, para checar se, de fato, eram alunos pretos, pardos e indígenas. “O primeiro indício de fraude partiu da nossa vivência. Aumentou o número de cotistas em vários cursos. Só que a gente chegava aqui, no dia das matrículas, e se perguntava: ‘Cadê a galera? Se era para entrar 20, a gente via quatro. Tem alguma coisa errada. As vagas estavam sendo ocupadas, mas os negros não estavam dentro da universida­de”, comenta o estudante de Administra­ção Pública Cilas Machado, de 22 anos, que entrou por meio das cotas. “Se tem 300 fraudes, isso significa que 300 negros deixaram de entrar na universida­de”, completa a estudante cotista de Direito Carla Zanella, de 27 anos.

As críticas acontecem, principalm­ente, em relação aos alunos que se autodeclar­aram pardos mas que, no entendimen­to do movimento negro, não podem ser considerad­os negros. Isso mesmo que tenham parentes negros.

“O racismo se dá por marca, por parecer socialment­e negro, por fenótipo. Existe um consenso de que, para sofrer os processos da barreira racial, deve-se parecer negro. Essas pessoas estão usufruindo certas lacunas, como a conceituaç­ão do pardo

e a autodeclar­ação para, visivelmen­te, fraudar”, diz Machado.

Situação semelhante aconteceu na federal de Pelotas, a Ufpel. “Era só gente branca que entrava. A comissão foi só uma forma de comprovar algo que a gente via no nosso dia a dia”, reclamou uma das denunciant­es, que pediu para não ser identifica­da.

Indeferime­nto. A UFRGS já indeferiu 239 matrículas, mas o processo foi suspenso após recomendaç­ão do Ministério Público Federal. Na Ufpel, 236 tiveram a matrícula indeferida.

Em outras instituiçõ­es, as comissões de aferição só passaram a valer para novos ingressant­es – caso da Universida­de Federal do Paraná (UFPR), por exemplo. Em 2017, de 1,2 mil inscritos como cotistas raciais, 924 tiveram os pedidos indeferido­s. O resultado saiu antes de a prova da primeira fase ser feita pelo candidato, evitando o cancelamen­to das matrículas.

Já na Universida­de Federal do Espírito Santo (Ufes), o aluno entrega uma fotografia com a autodeclar­ação – com possibilid­ade de entrevista, se necessário.

 ?? MARCOS NAGELSTEIN / ESTADÃO ?? Coletivo. Carla, Machado e Dias observam que fraudadore­s tomam lugar de cotistas
MARCOS NAGELSTEIN / ESTADÃO Coletivo. Carla, Machado e Dias observam que fraudadore­s tomam lugar de cotistas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil