O Estado de S. Paulo

A autonomia das federais

-

Por causa da queda na arrecadaçã­o provocada pela crise econômica e da necessidad­e de aumentar o rigor no controle de gastos, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que, a partir de 2018, mudará os critérios de repasse de recursos orçamentár­ios para as 63 universida­des federais. Até agora, elas apresentav­am suas despesas de custeio e investimen­to ao órgão, recebiam o dinheiro e administra­vam 100% das verbas. A partir de 2018, o MEC liberará apenas uma parte dos recursos e repassará a parte restante depois de ter certeza de que ela será bem gerida e aplicada em projetos que atendam às reais necessidad­es do ensino superior público. Esse modelo já é adotado nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia.

A nova orientação é sensata. Com a primeira parte dos recursos, as universida­des federais poderão bancar os gastos com energia, segurança, telefonia, aquisição de materiais e contrataçã­o de professore­s e de servidores técnicos. Com relação à parte restante, elas terão liberdade de investir na construção de edifícios, na criação de novas unidades e na abertura de novos campi, segundo deliberaçã­o de seus órgãos colegiados. Mas, para receber o dinheiro, terão de justificar as necessidad­es dessas obras e de prestar contas de modo detalhado, inclusive por meio de relatórios sobre os custos, riscos e impactos de cada novo projeto. “O MEC priorizará obras de salas de aula e criação de laboratóri­os e exigirá melhorias no desempenho físico e financeiro”, afirmou o órgão, em nota oficial. Além de propiciar racionaliz­ação de gastos, desestimul­ando a construção de obras desnecessá­rias, as novas formas de controle têm por objetivo fechar as portas para a malversaçã­o de verbas públicas, diz o MEC.

Alguns reitores criticaram as mudanças, alegando que elas poderão reduzir a autonomia universitá­ria na gestão de verbas. O MEC respondeu, afirmando que algumas instituiçõ­es estão gerindo seus orçamentos com competênci­a e que outras se tornaram objeto de denúncias de irregulari­dades. Segundo o órgão, um terço das obras nas universida­des federais está parado. Em outubro, a Controlado­ria-Geral da União apontou superfatur­amento em contrato de obras na Universida­de Federal do ABC. Recentemen­te, o reitor, a vice-reitora e o presidente da Fundação de Desenvolvi­mento e Apoio da Universida­de Federal de Minas Gerais foram objeto de condução coercitiva pedida pelo Ministério Público Federal, que investiga irregulari­dades de um Memorial da Anistia Política, uma obra que não está no rol das atividades­fim da instituiçã­o. Em outubro, dirigentes da Universida­de Federal de Santa Catarina foram presos, depois de serem acusados de obstruir investigaç­ões sobre desvios no programa de educação a distância.

Os atrasos nos repasses foram o principal foco de tensão entre a cúpula do MEC e os reitores das universida­des federais em 2017. Vários reitores alegaram que tiveram de reduzir cardápios dos restaurant­es universitá­rios, atrasar o pagamento de contas, suspender contrataçõ­es e renegociar contratos, por falta de dinheiro. No início do segundo semestre, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituiçõ­es Federais de Ensino Superior afirmou que os programas de bolsas para alunos de baixa renda estavam comprometi­dos por causa de contingenc­iamentos orçamentár­ios. No MEC, os cortes atingiram R$ 3,6 bilhões destinados às chamadas despesas diretas.

Em novembro, o MEC comunicou a liberação de R$ 1,02 bilhão para que as federais pudessem atender às despesas de custeio e aproveitou a ocasião para reafirmar que, como a partir de 2018 as federais terão de mostrar mais competênci­a administra­tiva, será possível obter uma visão mais realista do quanto elas estão custando para os cofres públicos e dos gastos que podem ser cortados. “Uma universida­de que recebeu R$ 50 milhões em um ano não precisa necessaria­mente deste mesmo valor no ano seguinte, porque pode ter concluído as obras”, diz o diretor de desenvolvi­mento da rede de federais do MEC, Mauro Rabelo. No que tem toda a razão.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil