O Estado de S. Paulo

‘Nunca tive privilégio nenhum de branco’

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Eu me considero pardo e já fui perseguido por seguranças no supermerca­do e em lojas de roupa. Tive de explicar que sou estudante de Direito, que não sou marginal e não estava lá para roubar. O Balanta (movimento negro da UFRGS) diz que é só o negro preto que sofre racismo, e não é. O que os coletivos falam de privilégio­s de branco, eu nunca tive. Tenho certeza de que não sou branco. As portas nunca se abriram para mim como esses coletivos colocam.

A família, por parte do meu pai, é de origem italiana, da Serra Gaúcha. Então muitas vezes houve implicânci­a com a cor da pele da minha mãe. Piadas de negro, diminuindo os negros, ofendendo os negros. Eu olhava para a minha pele e do meu avô e dos meus tios e eu dizia: ‘Espera aí, eu não sou da cor deles’. Então devo estar sendo incluído nessa piada preconceit­uosa. Percebia muito preconceit­o comigo e com a minha mãe.

A genética do negro, misturada com a do índio, anula os traços negroides que a comissão da UFRGS solicita, como lábios grossos e cabelo crespo. Eu me senti extremamen­te aviltado do meu direito. Eu pesquisei a legislação antes de me inscrever para o vestibular e fazer autodeclar­ação para ter certeza de que não estava cometendo ilegalidad­e. Eu me senti tratado como um criminoso. E me senti ofendido.

Eu fui preparado para falar questões da minha vida pessoal, questões do meu contexto social, imaginando que fosse isso que a comissão cobraria, mas não cobrou nada. Não me deram chances de me expressar. Eles me olharam, não falaram nada e me mandaram embora em um processo que não durou um minuto.

Sempre tive origem humilde. Minha infância foi em comunidade e estudei em colégio público no morro. Depois, fui morar na zona rural. Eu ia a pé, 3 km, para a minha escola. Quando resolvi que ia fazer vestibular, eu não tinha condições. Minha escola sempre foi fraca – faltava professor. Quando tinha período vago, eu ficava estudando na biblioteca. Era motivo de bullying por isso. No contexto social, sou tão carente quanto um negro.

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MARCOS NAGELSTEIN / ESTADÃO Pardo. ‘Sou tão carente quanto um negro’

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