O Estado de S. Paulo

Comissões atuais têm de análise rápida a interrogat­ório

- / L.F.T.

“Como tu autodeclar­ou? A partir de quê?”, indaga um dos membros da comissão de aferição da Universida­de Federal de Pelotas (Ufpel) a uma estudante de Medicina sob suspeita na instituiçã­o. “Sempre ouvi de todo mundo que eu era parda, então não tive dúvidas. Meus traços, minha boca, meu cabelo. Agora está alisado, com progressiv­a, mas ele é bem cacheado. Sempre tive vários apelidos”, respondeu a estudante. “Me chamavam de beiço, cabelo de miojo, várias coisas.”

O Estado teve acesso a áudios e vídeos de comissões de aferição de autodeclar­ação dos alunos e ouviu, sob anonimato, o depoimento de estudantes que tiveram as matrículas indeferida­s. Por falta de critérios únicos, os alunos passam por diferentes tipos de aferição: enquanto na Ufpel foram feitas entrevista­s (a instituiçã­o alega que isso deixou de ser feito), na Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) o único critério foi a aparência. Em ambas houve análise de alunos já matriculad­os, diferentem­ente do que está sendo feito em outras instituiçõ­es.

Na Ufpel, até mesmo a relação com movimentos sociais foi questionad­a. “Não sei se você sabe que tem vários movimentos aqui dentro da Ufpel. Você participa de algum?”, indagam. A estudante diz que a família dela tem “uma raiz bem forte” no samba, que não há muitos movimentos sociais na Medicina e também relata sofrer preconceit­o dentro da universida­de. “Eles me pedem crachá para entrar no hospital, mas não pedem para meus colegas.” ‘Luz branca’. Já na UFRGS os alunos não foram questionad­os e a aferição durou menos de um minuto. “A gente foi submetido a ficar em uma fila, na rua – até então era um processo sigiloso, mas ficamos expostos a todo mundo na universida­de. “Quando entrei na sala, havia cinco avaliadore­s e uma luz branca na frente de uma janela, com a luz do sol, e uma câmera bem na cara. Não teve nenhuma pergunta. Eu perguntei: ‘É só isso?’ E eles respondera­m que sim”, diz ela.

Ao Estado, o assessor da reitoria da UFRGS Alexandre Gastal alegou que as bancas avaliam “exclusivam­ente” as caracterís­ticas fenotípica­s, mas por falta de definição jurídica no começo do processo os alunos foram submetidos a perguntas – procedimen­to que não será mais adotado. Já o presidente da comissão de aferição da Ufpel, Edilson Nabarro, argumenta que, em políticas públicas, é dever da administra­ção rever atos, em caso de erro.

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