O Estado de S. Paulo

‘Pequena revolução’ feminina na Arábia

Em uma decisão inédita, mulheres sauditas vão poder frequentar arenas de futebol do país em áreas específica­s

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

Num passo considerad­o como uma “pequena revolução”, a Arábia Saudita permitirá a partir de hoje que mulheres possam ir aos estádios de futebol. Mas terão de acompanhar os jogos em uma ala destinada apenas para as “famílias”.

O jogo inaugural será o do Al Ahli contra Al Batin, em Riad. Amanhã, também serão autorizada­s as vendas de ingressos para mulheres no jogo entre o Al Hilal e o Al Ittihad. No dia 18, mais uma partida terá também a torcida feminina.

Um comunicado do governo aponta que três estádios foram “adaptados” e designados para receber mulheres. Além do estádio Rei Fahd, na capital, também foram reformados o estádio Rei Abdullah, em Jeda, e o estádio Príncipe Mohamed Bin Fahd, em Dammam.

Um teste chegou a ocorrer, com as mulheres sendo autorizada­s a entrar no estádio de Riad em 2017. Mas o evento era uma comemoraçã­o pelo Dia Nacional do país. Ainda assim, a reação foi positiva.

A medida no que se refere ao futebol faz parte de uma decisão do príncipe Mohamed bin Salman de começar a, lentamente, rever o papel da mulher na sociedade saudita, uma das mais fechadas do mundo e denunciada por ampla violação dos direitos humanos. Em junho, ele já deu a autorizaçã­o para que as mulheres pudessem dirigir pelas ruas do país, um velho pedido de entidades e das próprias mulheres.

A iniciativa também faz parte de um esforço de seu governo em reverter a imagem da Arábia Saudita no mundo e foi comemorada. “Esse será um jogo histórico”, disse Lina Maeena, uma das poucas mulheres na Shura, um conselho criado pelo regime para dar ares menos ditatoriai­s ao governo. “Isso vai reforçar os valores da família”, afirmou.

Em 2015, os sauditas chegaram a propor ao COI a realização de eventos internacio­nais no país, mas separados para homens e mulheres. As competiçõe­s masculinas ocorreriam na Arábia Saudita. Já as femininas no Bahrein, país vizinho. O COI não aceitou e o regime saudita entendeu que precisaria começar a mudar.

Saúde. Um ano depois, o governo de Riad anunciou a escolha da princesa Reema bint Bandar al Saud para comandar o departamen­to de esporte feminino do país. Sua tarefa: adotar o esporte entre meninas.

Em entrevista ao Estado em 2016, a princesa saudita contou que a introdução do esporte para as meninas seria, acima de tudo, um desafio social. “Temos fronteiras culturais e preciso garantir que as atividades que queremos promover estejam dentro dessas fronteiras”, disse a princesa, filha do ex-embaixador saudita nos EUA. “Mas o que é universal é o bem-estar, fitness e saúde. Todos os homens e mulheres devem ser saudáveis”, insistiu. As 13 milhões de meninas e mulheres do reino saudita têm a segunda pior taxa de diabetes do mundo.

Nem todos concordam que a iniciativa do novo monarca seja suficiente. James Dorsey, especialis­ta da Universida­de de Wurzburg e autor de livros sobre o futebol no Oriente Médio, aponta que o regime continua atuando com mãos de ferro no esporte, principalm­ente ao determinar como as diferentes federações são administra­das e banindo aqueles que não são aliados do governo.

Dorsey ainda aponta que, de uma forma geral, as mulheres são alvos de profundas discrimina­ções pela lei saudita. “A medida é um marco. Mas é apenas um começo num país onde as mulheres continuam subjugadas à vontade dos homens.”

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