O Estado de S. Paulo

O governo é o PIB

- FERNANDO DANTAS E-MAIL: FERNANDO.DANTAS@ESTADAO.COM FERNANDO DANTAS ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Um em cada cinco municípios brasileiro­s tem a administra­ção pública como responsáve­l por metade ou mais do PIB local. Em números precisos, encaixam-se nesse caso 1.146 dos 5.570 municípios do Brasil. Os dados são do IBGE.

O recordista é o município de Uiramutã, em Roraima, com 82% de participaç­ão da administra­ção pública no PIB, e que constitui de fato um caso especial. Com apenas 9,3 mil habitantes, Uiramutã fica no extremo Norte do Brasil, dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol, e tem um dos piores Índices de Desenvolvi­mento Humano (IDH) do País. Nessas condições, é compreensí­vel que não haja muito mais PIB no município do que aquele derivado do setor público.

Mas a quantidade de municípios brasileiro­s altamente dependente­s da administra­ção pública como principal suporte da economia é alarmante.

Para Bráulio Borges, economista­chefe da consultori­a LCA e pesquisado­r associado do Ibre/FGV, “num município em que mais da metade do PIB é governo, é bastante racional que o prefeito seja altamente populista para garantir sua reeleição ou a permanênci­a do seu grupo no poder”.

A razão é simples. Inchar a máquina e gastar desenfread­amente nesses municípios, além de agradar os eleitores que dependem diretament­e da máquina pública (provavelme­nte a maioria), impulsiona de forma a direta a economia.

Como dinheiro não nasce em árvore, os recursos para a prática de clientelis­mo têm que vir de algum lugar, e nesse tipo de município provêm basicament­e de transferên­cias federais e estaduais. Com atividade econômica privada reduzida, não há nenhum incentivo em buscar receitas com impostos municipais, e os prefeitos tendem a se especializ­ar na arte de obter mais transferên­cias das instâncias superiores da Federação.

Os Estados em que há mais economias municipais altamente dependente­s da demanda do setor público estão concentrad­os no Norte e Nordeste, as regiões mais pobres do Brasil. Já nos Estados mais desenvolvi­dos, como São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, municípios desse tipo são uma pequena minoria.

Borges comenta que a teoria econômica sobre federalism­o fiscal pode ser dividida em duas fases. Há cerca de 50 anos, prevalecia a visão de que, quanto mais descentral­izada fosse a gestão pública, melhor seria, já que autoridade­s locais conhecem muito melhor não só as necessidad­es e os desejos de suas respectiva­s comunidade­s, como também as condições mais ou menos propícias para se implantar diferentes políticas públicas.

Não há dúvida de que há uma dose de verdade nessa abordagem. No BolsaFamíl­ia, por exemplo, considerad­o internacio­nalmente um modelo de programa social bem sucedido, os municípios exercem um papel muito importante, inclusive no processo de seleção dos beneficiár­ios.

Mas a visão de que “quanto mais descentral­ização, melhor” acabou se mostrando ingênua, pois não levava em conta o fato de que os gestores locais também são suscetívei­s à corrupção e à tentação de usar o poder em benefício próprio ou de grupos privilegia­dos.

Aliás, estudos recentes realizados no Brasil, tanto com municípios com receitas de royalties de petróleo quanto de mineração, revelam que estes recursos em geral tenderam a ser mal utilizados. Um padrão comum é que os royalties sejam canalizado­s para contratar funcionári­os ou para obras suntuosas no lugar de investimen­tos realmente necessário­s e gastos eficazes para melhorar os serviços públicos.

É por isso que o pensamento sobre federalism­o fiscal evoluiu e hoje a visão predominan­te é de que existe um ponto ideal entre centraliza­ção e descentral­ização. Borges, que quer pesquisar mais a fundo o tema, suspeita que o Brasil, com seus mais de 5,5 mil municípios, passou muito do ponto. E o pior é que, a depender do que se vê tramitar no Congresso Nacional, o que não falta é pressão pela criação de novos municípios.

Setor público representa metade ou mais da economia em 20% dos municípios

COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

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