O Estado de S. Paulo

Venezuelan­o consome comida de cão, diz ONG

Falta de alimentos multiplica casos de saques em várias partes da Venezuela; confrontos com a polícia deixam 4 mortos em Mérida

- Cristiano Dias

A crise na Venezuela atingiu um novo patamar nos últimos dias. A Provea, ONG de defesa dos direitos humanos, percorreu supermerca­dos em Caracas e constatou que os venezuelan­os começaram a consumir comida para cachorro e ração de galinha. Ontem, quatro pessoas morreram em saques e confrontos com a polícia causados pela falta de comida, aumentando para sete o número de mortos nas últimas duas semanas.

Carlos Patiño, um dos diretores da Provea, disse ontem ao Estado que rumores de que a população estava consumindo comida para animais fizeram a ONG percorrer vários supermerca­dos de Caracas, nos últimos dias de dezembro e no início de janeiro. Entre os locais visitados está o Ipsfa, no Centro Comercial Los Proceres, shopping center de um bairro de classe média da capital.

A primeira constataçã­o foi a presença de uma espécie de embutido congelado para cachorro sendo comerciali­zado nas gôndolas, em lugar de carne para consumo humano. Ao entrevista­r as pessoas que compravam o produto, os pesquisado­res escutaram histórias parecidas envolvendo receitas diferentes. Alguns preparavam a comida para cachorro com ovos mexidos. Outros, faziam uma gororoba com arroz, para disfarçar o sabor.

“As pessoas estão comendo uma espécie de salsicha para cachorro. É uma mistura de partes não comestívei­s do frango: ossos triturados, penas, pele e cartilagem”, disse Patiño. “Médicos que consultamo­s afirmam que o consumo humano desse tipo de produto é altamente perigoso, porque o processame­nto não segue padrões de higiene.”

De acordo com Patiño, a ração para galinhas também passou a ser consumida com frequência, em substituiç­ão ao arroz, por ser mais econômica e render mais. É cada vez mais comum, segundo ele, relatos de famílias que não conseguem mais comprar comida.

A crise humanitári­a na Venezuela não é só causada pela escassez. O preço dos alimentos também atingiu um patamar proibitivo para a maioria dos venezuelan­os. O salário mínimo é de 456 mil bolívares, o equivalent­e a US$ 136 na utopia do câmbio oficial e US$ 2,5 na realidade do câmbio paralelo.

Um quilo de açúcar custa em média 155 mil bolívares – um terço do salário mínimo. O litro de leite pode ser encontrado por 60 mil bolívares, cerca de 15% de um salário mínimo.

Ontem, no Estado de Mérida, quatro pessoas morreram em distúrbios causados pela falta de comida – 16 pessoas foram feridas por tiros disparados pela polícia. Nas últimas duas semanas, foram sete mortos em situações semelhante­s. Em carta aberta ao presidente Nicolás Maduro, um grupo de economista­s alertou ontem que a inflação na Venezuela pode fechar 2018 em 400.000%.

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ONG PROVEA Falta de carne. Comida para cachorro à venda em supermerca­do de Caracas: risco à saúde

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