O Estado de S. Paulo

Corporaçõe­s encastelad­as

- (2016) do Estadão. Coluna

Manifestaç­ões como as da Ajufe revelam corporaçõe­s que defendem interesses próprios.

De acordo com as folhas de pagamento enviadas pelos Tribunais de Justiça dos Estados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 71,4% dos magistrado­s das 27 unidades da Federação recebem remuneraçõ­es mensais que ultrapassa­m o teto de R$ 33,7 mil, salário que é pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

A situação se repete, em maior ou menor grau, nas demais estruturas do Poder Judiciário. As discrepânc­ias nos vencimento­s pagos no âmbito da Justiça estadual, no entanto, ao invés de ensejarem uma reação de todos em prol do interesse dos contribuin­tes, geram efeito diametralm­ente oposto, ou seja, estimulam uma corrida pela equiparaçã­o das benesses para todos os servidores da Justiça.

Não se pode olvidar que são servidores que, em razão do alto grau de qualificaç­ão que possuem e à natureza do trabalho que exercem, não têm dificuldad­es para justificar a manutenção de privilégio­s absolutame­nte inaceitáve­is do ponto de vista da moralidade pública, ainda que criativas interpreta­ções da lei possam, eventualme­nte, dar-lhes um verniz de legalidade.

“Na Justiça Federal, ninguém ganha mais do que o permitido e está tudo definido: salário, gratificaç­ão, benefício. Não há qualquer dificuldad­e em encontrar esses dados”, afirmou Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

No mesmo sentido, Julianne Marques, vice-presidente da Associação dos Magistrado­s do Brasil (AMB), explica que “existem verbas indenizató­rias, diárias de viagem e auxílio-moradia” que não ferem o teto constituci­onal porque, segundo ela, não podem ser considerad­os como salário. “Do ano passado para cá”, prossegue a magistrada, “não tivemos aumentos. O que temos são subsídios previstos em lei. E o resto é indenizaçã­o.” Ou seja, a suspensão dos aumentos do funcionali­smo diante das dificuldad­es econômicas do País serve, aos olhos de alguns juízes, como subterfúgi­o para o pagamento de verbas adicionais como uma espécie de compensaçã­o.

Estimativa­s da área técnica do STF dão conta de que há, pelo menos, 40 tipos de verbas incidentes sobre os vencimento­s dos magistrado­s.

Já seria escandalos­o por si só o fato de haver uma grande parcela dos juízes do País recebendo acima do teto que lhes é fixado pela Constituiç­ão, um texto que os magistrado­s deveriam ler com a mesma reverência diligente de um religioso diante de seu livro sagrado. Mas estes servidores, reunidos em associaçõe­s de classe fechadas em si mesmas e alheias à realidade do País a que devem serviço, parecem zombar dos demais brasileiro­s que vivem em condições socioeconô­micas muito diferentes.

Não pode ser interpreta­da de outra forma a recente mensagem de fim de ano do presidente da Ajufe dirigida a seus pares na Justiça Federal. Nela, Roberto Veloso comemorou o fato de o projeto de lei que acaba com os vencimento­s extrateto do funcionali­smo público ter passado incólume pela agenda legislativ­a em 2017, conforme informou a

Em sua cândida mensagem de Natal aos colegas, o presidente da Ajufe ainda celebrou a manutenção do pagamento do auxílio-moradia, mordomia que custa, aproximada­mente, R$ 435 milhões por ano aos cofres públicos, e não conteve o entusiasmo ao comemorar o adiamento da discussão e votação da PEC 287/2016, que trata da reforma da Previdênci­a, medida que, segundo ele, “traria grandes prejuízos aos juízes federais”, convidados por Veloso a se manifestar contra a proposta em 2018. “Apesar de toda campanha para nos atingir financeira­mente, não perdemos nada”, disse.

São manifestaç­ões como as da Ajufe que revelam ao País que tais corporaçõe­s parecem encastelad­as na defesa de seus próprios interesses, não tendo a menor relevância as condições econômicas do País ao qual, repita-se, devem prestar serviço em troca de uma boa remuneraçã­o, muito acima do que sonha um dia ganhar um cidadão brasileiro médio.

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