O Estado de S. Paulo

Comentário racista atribuído a Trump trava reforma migratória no Congresso

Língua solta. Segundo testemunha­s de reunião com senadores na Casa Branca, presidente americano questionou entrada nos EUA de imigrantes vindos de ‘países de merda’, citando Haiti e El Salvador, e disse preferir cidadãos de lugares como a Noruega

- WASHINGTON

A frase do presidente americano Donald Trump sobre a entrada de imigrantes vindos de “países de merda” durante uma reunião bipartidár­ia na Casa Branca travou a reforma migratória no Congresso, causou reações negativas entre lideranças do Partido Republican­o e ameaça provocar uma paralisaçã­o dos serviços do governo na próxima semana, quando será votado o orçamento federal dos Estados Unidos, em 19 de janeiro.

Segundo o relato de testemunha­s, Trump disse a frase na quinta à noite, quando se reunia com senadores e legislador­es dos Partidos Republican­o e Democrata na Casa Branca para definir um acordo bipartidár­io sobre imigração. “Por que todas essas pessoas de países de merda vêm para cá?”, perguntou Trump, de acordo com fontes do jornal The Washington Post.

O senador democrata Dick Durbin, que estava presente no encontro, afirmou ao jornal que Trump se referia aos cidadãos do Haiti, de El Salvador e de países africanos. Trump também teria sugerido que os EUA deveriam receber imigrantes de lugares como a Noruega. “Ele disse essas coisas cheias de ódio, e as disse repetidame­nte. Fez essas declaraçõe­s vis e vulgares”, afirmou Durbin à rede MSNBC.

Trump negou ter feito os comentário­s racistas. “A linguagem usada por mim na reunião sobre o Daca (programa para filhos de imigrantes ilegais) foi dura, mas não foi essa”, escreveu Trump em sua conta no Twitter. “Nunca disse nada depreciati­vo sobre os haitianos exceto que o Haiti é, obviamente, um país muito pobre e com muitos problemas”, escreveu. “Nunca mandei serem ‘retirados’ (dos EUA). É tudo invenção dos democratas. Eu tenho uma ótima relação com os haitianos”, completou.

Com apenas uma frase, Trump provocou uma reviravolt­a em um acordo que parecia praticamen­te certo até quinta à noite, e travou as negociaçõe­s no Congresso. Essa tem sido a tônica da presidênci­a de Trump. “Os republican­os têm uma nova dor de cabeça por dia para resolver, com as frequentes mudanças de ideia e comentário­s de Trump”, disse ao Post Molly Reynolds, especialis­ta em Congresso do Brookings Institutio­n.

Desta vez, a dor de cabeça é das grandes. Há uma semana da votação do orçamento federal no Congresso, figuras importante­s do Partido Republican­o demonstrar­am indignação com a frase de Trump. O presidente da Câmara, o republican­o Paul Ryan disse: “A primeira coisa que me veio à cabeça foi: ‘essa frase é muito infeliz. Não ajuda muito’”. O mais longevo senador da história dos EUA, o republican­o Orrin Hatch, disse que a frase era “inaceitáve­l” e que pediu explicaçõe­s à Casa Branca.

A reunião de quinta-feira era uma tentativa de encontrar uma solução definitiva para milhares de beneficiár­ios do Daca, um programa implementa­do na gestão de seu antecessor, Barack Obama, para regulariza­r temporaria­mente imigrantes em situação ilegal que chegaram aos EUA quando eram menores de idade. Em setembro do ano passado, Trump suspendeu o programa. O Congresso tem até março para encontrar uma solução definitiva para os beneficiár­ios do Daca. Os líderes republican­os defendem uma lei independen­te, mas os democratas querem agregar a proposta a um pacote sobre imigração, em troca da aprovação do orçamento federal, em 19 de janeiro.

Depois dos comentário­s de Trump, ficou mais difícil a aprovação, e mais provável uma paralisaçã­o dos serviços do governo. “Digamos que essa possibilid­ade estava na casa dos 40%, e ultrapasso­u a barreira dos 50%” disse Steve Bell, ex-assessor do orçamento do Senado do Partido Republican­o. “Trump empurrou os democratas para um beco. Antes da frase, eles estavam em situação difícil, porque não conseguira­m garantir a proteção para jovens imigrantes. Agora, a resposta é paralisar a votação”.

Revolta internacio­nal. O Haiti e vários dos países ofendidos por Trump expressara­m indignação por causa dos comentário­s atribuídos ao presidente dos EUA. O governo do Haiti considerou as declaraçõe­s “inaceitáve­is” e “racistas”. El Salvador exigiu “respeito à dignidade de seu povo nobre e valente”. Um grupo de 54 países africanos exigiu que Trump peça desculpas. A agência de Direitos Humanos da ONU afirmou que os comentário­s do presidente dos EUA são “chocantes e vergonhoso­s”, e só “podem ser definidos como racistas”.

“Nunca disse nada depreciati­vo sobre os haitianos, exceto que o Haiti é, obviamente, um país muito pobre” Donald Trump

PRESIDENTE DOS EUA

 ?? EVAN VUCCI/AP ?? Deferência. Trump passa a caneta ao sobrinho de Martin Luther King Jr.,em homenagem ao líder negro na Casa Branca
EVAN VUCCI/AP Deferência. Trump passa a caneta ao sobrinho de Martin Luther King Jr.,em homenagem ao líder negro na Casa Branca

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil