O Estado de S. Paulo

Presidente entendeu mal a história da imigração nos EUA

- Karen Tumulty É JORNALISTA / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Há muito mais em relação à última polêmica causada pelo presidente Donald Trump do que a linguagem vulgar e implicitam­ente racista que ele usou para estabelece­r uma distinção entre imigrantes desejáveis e indesejáve­is. A escolha de palavras também revelou uma verdade mais profunda sobre como o presidente vê – e interpreta mal – o relacionam­ento dos EUA com seus imigrantes.

Trump afirma querer um “sistema de imigração com base no mérito e pessoas que ajudarão a levar o país ao próximo nível”. Mas o presidente não falou sobre as qualificaç­ões das pessoas que procura trazer – que sejam cientistas, engenheiro­s, médicos. Em vez disso, na quinta-feira, ele se concentrou em suas origens – dando preferênci­a a lugares como Noruega, em vez de “países de merda”.

Por seu padrão, os antepassad­os da maioria dos americanos – incluindo os dele – poderiam muito bem ter sido excluídos. São as dificuldad­es que tradiciona­lmente levam as pessoas a buscar oportunida­des em outros lugares. “São as pessoas que têm motivação, impulso e incentivo para mudar suas circunstân­cias, as que correm os riscos de sair de seus países. Isso tende a ser um conjunto muito positivo de caracterís­ticas pessoais para um país que é acolhedor”, disse Doris Meissner, ex-comissária do Serviço de Imigração e Naturaliza­ção dos EUA no governo de Bill Clinton, que agora é membro do Instituto para Política de Migração. “Nunca ouvi nada como a ideia de que, se você é de um país fracassado, não pode ter sucesso como imigrante”, disse Meissner.

As palavras de Trump, com suas conotações raciais, também sugerem que ele quer retornar ao que passou a ser considerad­o um dos mais vergonhoso­s e xenófobos períodos da política de imigração. Em 1924, foi aprovado um conjunto de leis que estabeleci­am cotas e limitavam o número de pessoas admitidas nos EUA, com base no país de onde vinham, com a meta de preservar a homogeneid­ade étnica dos EUA.

“A premissa das cotas de origem nacional era a de que alguns países produzem bons imigrantes e outros produzem maus imigrantes”, disse o correspond­ente da Rede Pública Nacional de Rádio, Tom Gjelten, autor do livro A Nation of Nations: A Great American Immigratio­n Story (Uma Nação de Nações: Uma Grande História da Imigração Americana, em tradução livre).

“Na verdade, havia estudos ‘científico­s’ com a pretensão de classifica­r os países segundo a qualidade e as caracterís­ticas de seu povo, e as cotas foram elaboradas, em parte, com base no testemunho da opinião de ‘especialis­tas’”, disse Gjelten.

Essas conclusões pseudocien­tíficas produziram um sistema que favorecia países predominan­temente brancos. A Noruega recebeu autorizaçã­o para enviar 6.500 pessoas por ano, enquanto o continente africano só tinha permissão para 1.200. Esse sistema permaneceu em vigor até 1965, quando Lyndon Johnson convenceu o Congresso a substituir as cotas nacionais com preferênci­a pela preservaçã­o de famílias e atrair mão de obra qualificad­a. Permitir que os imigrantes tragam parentes é o que Trump e outros republican­os agora se referem como “migração em cadeia”, algo que eles querem acabar.

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