O Estado de S. Paulo

Facebook muda regras e reduz alcance de notícias.

Mudança entrará em vigor nas próximas semanas e gerou reação entre empresas de mídia; impacto será avaliado ao longo do tempo

- Claudia Tozetto

Ao calibrar seu algoritmo para priorizar postagens de amigos e família no feed de notícias, a rede social Facebook fez a sua maior mudança em anos. A alteração, justificad­a pelo Facebook pelo interesse em aumentar a interação entre as pessoas, é apontada por especialis­tas como uma tentativa de combate ao fenômeno das notícias falsas (‘fake news’). A nova diretriz, contudo, provocou um importante efeito colateral: vai reduzir o alcance de conteúdo distribuíd­o pela imprensa no site a partir das próximas semanas. Na prática, os mais de 2 bilhões de usuários vão ler menos notícias na rede social.

O anúncio gerou forte reação de veículos de comunicaçã­o nos Estados Unidos. “O Facebook está redesenhan­do radicalmen­te seu negócio em resposta ao seu primeiro grande risco existencia­l (as notícias falsas)”, disse o editor executivo global da Vice Media, Derek Mead, no Twitter. “E a mídia é o efeito colateral.”

“Eu mal posso dizer como o Facebook está prejudican­do nossa operação e a democracia repetidame­nte”, afirmou a editora chefe do jornal norte-americano San Francisco Chronicle, Audrey Cooper, em seu perfil também no Twitter.

Hoje, grande parte dos veículos de imprensa tem no Facebook um dos principais canais de distribuiç­ão das notícias publicadas em seus sites. Com a mudança promovida por Zuckerberg, captar a audiência presente na rede social deve ficar mais difícil – e mais caro.

“A mudança é um esforço legítimo e louvável do Facebook em reparar o dano causado pelas notícias falsas”, diz ao Estado o jornalista brasileiro Rosental Calmon Alves, diretor do Knight Center for Journalism in the Americas, da Universida­de do Texas. “Mas é irônico que isso vá prejudicar o jornalismo, que é justamente o antídoto contra essa doença.”

Para Caio Túlio Costa, professor de comunicaçã­o digital da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e fundador da plataforma de monitorame­nto digital Torabit, o efeito das mudanças é perverso para empresas jornalísti­cas. “Ao mesmo tempo em que a mudança coíbe notícias falsas, ela pune as empresas que publicam notícias corretas.”

Tempo ao tempo. Ambos os especialis­tas, porém, consideram que só o tempo vai mostrar os efeitos práticos da medida. “Ainda não está claro se isso vai inibir as notícias falsas”, diz Costa, “porque sua disseminaç­ão está ligada ao comportame­nto dos usuários, não às notícias em si.”

Para Alves, os publishers terão de mudar para se adaptar à nova realidade. “O jornalismo que herdamos da era industrial é focado no consumo passivo”, diz ele. “Vamos ter de buscar estratégia­s para fazer um jornalismo mais interativo, que provoque essas interações entre usuários que o Facebook vai priorizar agora.”

Mais dinheiro. Ainda não está claro se o Facebook vai conseguir mitigar as notícias falsas. Do lado da receita, porém, a perspectiv­a é mais clara. Ao reduzir o alcance das publicaçõe­s de páginas, a rede social “obriga” seus administra­dores a investir mais dinheiro para impulsiona­r publicaçõe­s.

Não à toa, muitos analistas de mercado mantiveram seus bons prognóstic­os sobre o desempenho da rede social nos próximos trimestres, apesar da queda de mais de 4,47% nas ações ontem.

“Vejo isso como a decisão certa para o Facebook em longo prazo”, afirmou Samuel Kemp, analista da consultori­a Piper Jaffray, em comunicado. “Não vejo evidências de que essa mudança terá impactos na receita e, ao longo do tempo, isso pode tornar a experiênci­a dos usuários mais prazerosa.”

Para Justin Post, analista do Bank of America Merrill Lynch, a mudança não deve reduzir a receita do Facebook, já que os anunciante­s não poderão auferir a queda nas métricas de engajament­o da rede social. “É preciso observar no balanço se o Facebook terá queda no número de usuários ativos por dia após a mudança”, afirma o analista, em nota enviada à imprensa.

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JIM WILSON/THE NEW YORK TIMES Mudança. Zuckerberg diz que tempo gasto na rede deve cair

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