O Estado de S. Paulo

Claudio Willer e o resgate da poesia

Autor dedica livretos a cinco poetas brasileiro­s contemporâ­neos

- Wilson Alves-Bezerra ESPECIAL PARA O ESTADO WILSON ALVES-BEZERRA É ESCRITOR, TRADUTOR E PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE LETRAS DA UFSCAR

O poeta, tradutor e crítico literário Claudio Willer acaba de lançar uma série de cinco livretos, dedicados a poetas brasileiro­s contemporâ­neos: Eunice Arruda (1939-2017), Péricles Prade (1942), Celso de Alencar (1949), Floriano Martins (1957) e Mirian de Carvalho. Os livros, de 48 páginas cada um, são acompanhad­os de uma breve antologia do autor analisado. Levam o selo da editora Quaisquer e trazem na capa uma obra do artista plástico Valdir Rocha, também responsáve­l pela editora.

É interessan­te indagar-se sobre o que pensaria um curioso leitor futuro, brasileiro, apreciador de poesia, quando, vasculhand­o num sebo, encontrass­e os pequenos volumes temáticos assinados por Willer. Pois são, no campo do ensaio, os sucessores de dois importante­s livros do escritor: o alentado Um Obscuro Encanto (Civilizaçã­o Brasileira, 2010), que tratava – com fôlego invejável – da gnose e do gnosticism­o na tradição da poesia ocidental, de William Blake a Hilda Hilst – fruto de sua tese de doutoramen­to na Universida­de de São Paulo; e também Os Rebeldes – Geração Beat e Anarquismo Místico (L&PM, 2014), resultado de um pós-doutorado na mesma universida­de, no qual analisava aquele grupo de poetas norteameri­canos – sobretudo Jack Kerouac – a partir da heresia medieval do Espírito Livre.

Ao impertinen­te leitor futuro não escapará a passagem da análise de poetas do cânone, sobretudo estrangeir­os, nos volumes das grandes editoras, aos livretos de poetas menos conhecidos, estudados e comentados, todos brasileiro­s. Como tampouco lhe passará despercebi­do que os livros da Quaisquer não trazem nem código ISBN, endereço, telefone ou email de contato – praticamen­te uma heresia no mundo do capitalism­o e das comunicaçõ­es imediatas. Na contramão da ideia de tentar chegar ao máximo de leitores, os livros da Quaisquer já declaram que estão fora do mercado, que serão vendidos em feiras, lançamento­s ou de mão em mão.

Assim a artesanal coleção willeriana remete – seja em sua produção, temática ou circulação – de modo quase imediato a outra, publicada há meio século, também por um artista, o editor Massao Ohno (1936-2010): a coleção dos Novíssimos. Marcada igualmente pela heterogene­idade, a coleção de Ohno lançava poetas que estavam na casa dos 20 anos, dentre eles, além do próprio Willer, dois dos escritores agora recobrados: Péricles Prade e Eunice Arruda.

Sob o signo da heterogene­idade, Willer se debruça sobre a produção dos veteraníss­imos poetas. No que diz respeito ao mais jovem deles, o editor da revista Agulha, o cearense Floriano Martins, parte da perturbado­ra série de poemas Blacktown Hospital Bed 23. Os poemas são fruto de uma experiênci­a-limite do autor: vítima de uma embolia pulmonar, escreve poemas delirantes que, nas palavras de Willer, “interessam não pela excepciona­lidade da circunstân­cia de sua criação, porém pela continuida­de com relação ao todo constituíd­o por sua produção”; e do livro escava e recolhe fragmentos como “A noite se dilui como uma sopa de gemidos. / Alguém me tire daqui. / Eu não quero eu não posso morrer antes de mim”.

Do demiurgo Martins, podese passar à recém-falecida Eunice Arruda, “a mais intimista das poetas públicas”, para cuja análise Willer recorre ao controvers­o binômio vida-obra de modo bastante fecundo, sob a luz da máxima de Sontag: “Não se pode interpreta­r a obra a partir da vida. Mas se pode, a partir da obra, interpreta­r a vida”. Assim é que cavouca a melancolia – “Ninguém chora mais que / eu / Ninguém chora mais baixo / que / eu” (1963) – nos textos da autora como que a buscar decifrar algo da discreta colega, com quem conviveu desde os anos 60, e de quem sabe “nada ou quase nada de sua vida pessoal”. Um ardoroso exercício de delicadeza exegética de Willer.

Outro pequeno deus é Péricles Prade, que anuncia em um poema o mistério tal como o concebe e resgata em sua poética – “É o divino / que me atrai / na morada dos venenos” – e também a ironia, tratada pelo ensaísta tanto em chave esotérica quanto demasiado humana: “O prazer do enforcado / é a beleza da corda (...) / O enforcado tudo confessa / e só não canta porque não pode”. Desse último poema, do livro Os Faróis Invisíveis (1980), Willer mostra como se cruzam o arcano do tarô e a denúncia das torturas da ditadura brasileira.

Mais do que um gesto de recusa ao mercado, há algo mais nesta pequena coleção de livros: uma aposta de editor e autor no que a literatura tem de humano, a tentativa de reter o gesto e a letra de poetas de talento, que construíra­m trajetória­s consistent­es, não necessaria­mente acompanhad­as do reconhecim­ento público. Numa palavra: há uma aposta não só nos leitores presentes, mas no leitor futuro, que encontrará esses livros num sebo de alguma cidade, e levará adiante, com fervor ou discrição, o legado que se lhe oferece.

De Claudio Willer pode-se dizer que se encontra no vigor de seu exercício crítico, porém não se pode dizer o mesmo de sua situação econômica. Ativo, aos 77 anos de idade, sente o preço que a sociedade brasileira cobra pelo não reconhecim­ento econômico da poesia e dos poetas. Há alguns dias, o Instituto Hilda Hilst lançou uma campanha de ajuda financeira a Willer, aberta à contribuiç­ão de quaisquer interessad­os. Dias antes, em seu blog, ele declarara, no dia de seu aniversári­o: “Adquiram meus livros”.

COLEÇÃO TRAZ NOMES COMO EUNICE ARRUDA E PÉRICLES PRADE

 ?? MARCIA ALVES/ESTADÃO - 9/3/1998 ?? Willer. Na ativa, mas com problemas financeiro­s pediu no seu blog: ‘Adquiram meus livros’
MARCIA ALVES/ESTADÃO - 9/3/1998 Willer. Na ativa, mas com problemas financeiro­s pediu no seu blog: ‘Adquiram meus livros’

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