O Estado de S. Paulo

A ineficiênc­ia da vinculação

Não basta destinar verba para que serviço público funcione.

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Olegislado­r brasileiro tem recorrido, nas últimas décadas, com desastrosa frequência, à prática de vincular o destino de um porcentual dos recursos públicos a um uso específico. Por exemplo, a Emenda Constituci­onal 86/2015 determinou que a União deve aplicar ao menos 15% de sua receita corrente líquida anual em ações e serviços públicos de saúde.

No caso da área de educação, o limite mínimo é ainda maior. O art. 212 da Constituiç­ão diz que “a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendi­da a provenient­e de transferên­cias, na manutenção e desenvolvi­mento do ensino”.

À primeira vista, esse tipo de regra parece oportuno, já que significar­ia dar prioridade orçamentár­ia ao que realmente deve ser prioritári­o no País. Em 2014, por exemplo, foi comemorado por amplos setores da sociedade o Plano Nacional de Educação, que destina, até 2024, ao menos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação pública. Seria o passo definitivo para que o Brasil tivesse uma educação pública de qualidade.

O problema, no entanto, é que as coisas não são tão simples como parecem. Não basta destinar mais dinheiro para que um hospital público funcione melhor ou para que alunos aprendam mais Matemática e Português. É, aliás, mais provável que ocorra o oposto. É o que verificou o Banco Mundial no caso da educação pública brasileira, num recente estudo sobre a qualidade dos gastos públicos no País. “A vinculação constituci­onal dos gastos em educação a 25% das receitas dos municípios também contribui para a ineficiênc­ia dos gastos. Municípios mais ricos, com altas taxas de receita corrente líquida por aluno, tendem a ser bem menos eficientes que municípios mais pobres”, disse o estudo.

A causa para tal ineficiênc­ia não é difícil de ser encontrada. “É provável que, para cumprir as regras constituci­onais, muitos municípios ricos sejam obrigados a gastar em itens que não necessaria­mente aumentam o aprendizad­o.” Ou seja, quando determinad­os recursos são vinculados a um determinad­o uso, como faz frequentem­ente o legislador brasileiro, há uma ruptura entre destinação e necessidad­e. Mesmo que não sejam necessário­s, os recursos serão destinados a uma área por força de regra legal.

A vinculação de receitas tem ainda outro grave efeito sobre a eficiência. Algumas áreas não precisarão realizar bons projetos para que recebam recursos. Ou seja, além do risco de o dinheiro ir para locais que não precisam tanto, dissemina-se, na esfera pública, a cultura de que não é preciso ter um bom projeto para receber recursos. A vinculação de receita prejudica, assim, a qualidade da aplicação dos recursos públicos também naquelas áreas em que, a princípio, poderia haver necessidad­e.

Também não se pode esquecer que uma distribuiç­ão de recursos públicos que não esteja baseada nas necessidad­es reais é sempre um estímulo à corrupção. Por pior que seja o déficit fiscal do País, com esse sistema de vinculação de receitas, haverá áreas com dinheiro sobrando.

O Banco Mundial aponta ainda que os efeitos da vinculação de receitas na área de educação tendem a piorar, em razão da transição demográfic­a pela qual passa o País, com a diminuição do número de alunos. “Para cumprir a lei, muitos municípios serão obrigados a gastar mais e mais por aluno, mesmo quando a receita se mantenha constante. (...) A consequênc­ia é um aumento ainda maior da ineficiênc­ia.”

Como é lógico, esses problemas não estão restritos à área de educação, dado que as regras de vinculação engessam quase 80% do dinheiro arrecadado pelo governo. Com urgência, é preciso tornar o Orçamento mais flexível. Seja por força de equilíbrio fiscal, para que o governo tenha capacidade de administra­r de fato as despesas, seja para melhorar a eficiência pública. É injusto e irracional gastar mal quando se tem tão pouco e as necessidad­es são tão grandes.

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