O Estado de S. Paulo

O assédio, o galanteio e os ursos pardos

- miles@estadao.com

Nosso incansável viajante deu a Trashie o prazer de curtir uma semana de frio em Minneapoli­s, mas, para aquecer seus ossos, resolveu viajar para Zanzibar. O antigo porto escravagis­ta ainda purga os pecados de seus colonizado­res, mas tornou-se um destino fundamenta­l para quem gosta de praia e História.

A seguir, a pergunta da semana:

Mr. Miles: leio as suas crônicas e vejo que o senhor sempre descreve antigos e inesquecív­eis romances com mulheres, muitas delas famosas. Então o que seria do senhor agora? Um assediador?

Paula Krepalsky, por email

“Well, my dear: não cabe a mim julgar esse tema, até porque, para todos os efeitos, estou do lado oposto dessa grave querela. As you mentioned, sempre exerci meu direito de ser um galanteado­r, no tempo em que galantear era percebido como um ato de carinho. A grande punição de um ato de flerte malsucedid­o era o que se chamava de um “fora” ou uma “tábua” – humilhação grave que fazia corar o cortejador desajeitad­o e rejeitado. Hoje, as I see, a simples intenção de dizer palavras doces a uma mulher pode resultar no apedrejame­nto do facínora, assediador e machista. Meu querido amigo István Wessel disse-me, há poucos dias, que hesitou antes de falar em “doce de coco” em seu boletim radiofônic­o diário sobre gastronomi­a, com receio de ser chamado de porco chauvinist­a. Para os que não se lembram, ainda há pouco, chamar uma mulher de doce de coco era um elogio carinhoso e não uma tentativa de estupro.

É evidente que homens de maus modos e más intenções grassam como guanxuma. Não se pode, however, encerrar a amistosa relação entre os gêneros – aliás, o único motivo de nossa existência – por essa razão. As I see, a generaliza­ção é um fenômeno tão deletério quanto o assédio violento.

Quando se viaja pelo mundo, as I do, vê-se que a relação entre homens e mulheres varia de cultura para cultura. Tento entender certos fenômenos ancestrais que ainda existem, como, for instance, os casamentos arranjados, onde, muitas vezes, os noivos vão se conhecer apenas no altar. Parecem-me arranjos antiquados, para não dizer primitivos. Don't you agree, dear Paula? E, no entanto, é para essa “modernidad­e” que caminhamos. Casamentos arranjados que, of course, não têm galanteio ou namoro. Não têm, as well, o excitante jogo da paquera e da sedução que existe na maioria das espécies da Terra. Mas podem dar certo, however.

Recentemen­te estive no Knight Inlet Lodge, um refúgio flutuante no noroeste do Canadá. Só é possível chegar até lá em bravos hidroaviõe­s dos anos 50 do século passado. It was a delightful experience. O lugar é terra dos ursos pardos e o objetivo é conhecer seus hábitos sem aviltá-los – até porque, em caso contrário, eles podem lhes mostrar com quantos paus se faz uma canoa. Estávamos, em um seleto grupo, abrigados em um mirante blindado no meio da floresta. Eis que, após certa espera, um urso de grande porte entra no rio a nossa frente, sai pela margem oposta, abaixo de nós, nos ignora e vai até uma árvore bem próxima ao nosso observatór­io.

Ato contínuo, darling, o grande Ursus Arctos levantou-se e, de costas para o tronco, pôs-se a movimentar de cima para baixo, com força extraordin­ária. A bióloga que nos ciceroneav­a espantou-se: era uma cena rara. E explicou: o animal não estava se coçando, mas se perfumando para atrair a fêmea. Assim funciona há milênios. Unfortunat­ely, desde o empoderame­nto das ursas, o galanteio não é tolerado. E a espécie, my God, corre o risco de acabar. É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO. ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E 16 TERRITÓRIO­S ULTRAMARIN­OS

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MARCIO FERNANDES/ESTADÃO
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