O Estado de S. Paulo

Interferên­cia desorganiz­adora

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Ao comentar o imbróglio jurídico envolvendo a nomeação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o Ministério do Trabalho, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse que a interferên­cia excessiva do Poder Judiciário prejudica o País. “Acho que isso está desorganiz­ando o Brasil. Esse protagonis­mo excessivo do Judiciário não é bom para o Brasil”, disse Rodrigo Maia, durante viagem a Washington. Na realidade, o presidente da Câmara poderia ter sido mais preciso no tempo verbal utilizado. Faz muito tempo que a Justiça desorganiz­ou – e continua a desorganiz­ar – o País.

Recentemen­te, ocorreram duas ingerência­s do Judiciário, especialme­nte graves, envolvendo medidas provisória­s (MPs). Em cada caso, a Justiça conseguiu de uma só vez intrometer-se tanto na competênci­a do Executivo, a quem cabe editar as medidas provisória­s, como na do Legislativ­o, a quem compete analisar tais atos presidenci­ais.

No mês de janeiro, o juiz da 6.ª Vara Federal de Pernambuco suspendeu os efeitos da MP 814/17, que autoriza o processo de privatizaç­ão da Eletrobrás e suas subsidiári­as. Na decisão, o juiz levantou dúvidas se o assunto era urgente o suficiente para ser tratado por medida provisória. Como se sabe, não cabe à Justiça analisar a urgência de uma medida provisória. Trata-se de matéria de competênci­a exclusiva do Executivo e do Legislativ­o.

Em dezembro de 2017, o ministro Ricardo Lewandowsk­i, do Supremo Tribunal Federal (STF), já havia suspendido a MP 805/17, que altera os aumentos salariais de servidores públicos. Via-se, assim, mais um caso de interferên­cia da Justiça na administra­ção dos recursos públicos.

No caso comentado por Rodrigo Maia, o juiz da 4.ª Vara Federal de Niterói (RJ) suspendeu um ato privativo do presidente da República, a nomeação de um ministro de Estado, por entender que a escolha de Michel Temer desrespeit­ava o princípio da moralidade administra­tiva. Segundo o juiz, Cristiane Brasil, por ter sido condenada numa ação trabalhist­a, não teria condições de assumir o Ministério do Trabalho.

Observa-se uma explícita inversão na hierarquia do Direito. O juiz fez com que a sua opinião política prevaleces­se sobre o que manda a Constituiç­ão. O art. 84, I da Carta Magna diz que “compete privativam­ente ao presidente da República nomear e exonerar os ministros de Estado”. E o pior é que, até o momento, as instâncias do Poder Judiciário que analisaram o caso confirmara­m a intromissã­o do juiz de Niterói em seara que não lhe compete. Como disse Rodrigo Maia, “estão bloqueando uma decisão do presidente da República. Independen­te do que as pessoas acham, se deveria ou não nomear a Cristiane, é um absurdo que a Justiça interfira nisso”.

O papel da Justiça é assegurar o cumpriment­o do Direito. A primeira tarefa do Judiciário é, portanto, respeitar as competênci­as de cada Poder, previstas na Constituiç­ão. Queiram os juízes ou não, vigora no País o princípio da separação dos Poderes, fundamenta­l para a organizaçã­o do Estado e para a proteção da democracia. Num Estado Democrátic­o de Direito, quem não recebeu votos não pode decidir questões políticas, como é o caso dos juízes e dos promotores. Não cabe ao Judiciário fazer escolhas sobre o orçamento do Estado. De outra forma, o povo ficaria privado de exercer o seu controle político sobre esse tipo de decisão, pois não se demite um juiz depois de uma decisão equivocada.

Irresponsá­vel politicame­nte, esse voluntaris­mo judicial tem causado graves transtorno­s. Por exemplo, parte do atual desequilíb­rio fiscal estrutural do poder público é resultado de decisões do Judiciário. Nesse sentido, a Justiça tem sido, com frequência, parte do problema. Rever esse posicionam­ento, retornando aos limites da lei, é medida de extrema urgência, pois não faz sentido que juízes – servidores públicos, cujos salários são pagos com recursos do contribuin­te – dificultem, com suas decisões, o desenvolvi­mento institucio­nal, econômico e social do País.

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