O Estado de S. Paulo

O dinheiro venezuelan­o perdeu o sentido

- / TRADUÇÃO CLAUDIA BOZZO Francisco Toro / W. POST

Um amigo me enviou recentemen­te uma fotografia que conta uma poderosa história sobre a situação na qual os venezuelan­os se encontram agora. É apenas uma foto borrada de lixo: detritos deixados para trás depois que uma loja foi saqueada em San Felix, no sudeste da Venezuela. Mas não consigo parar de pensar nisso, pois no meio do lixo havia pelo menos uma dúzia de notas de 20 bolívares, moeda com tão pouco valor que nem os saqueadore­s acharam que valia a pena recolhê-las.

Em teoria, segundo a taxa “oficial” de câmbio, que há muito tempo perdeu a conexão com a realidade, cada uma dessas notas vale US$ 2. Na verdade, à medida que a Venezuela afunda cada vez mais na hiperinfla­ção, as notas de bolívares passaram a valer cerca de US$ 0,0001 à taxa de câmbio atual, o que significa que é preciso ter 100 delas para igualar um centavo. A hiperinfla­ção desorienta. Cinco ou seis anos atrás, os 500 bolívares no chão teriam comprado uma refeição para dois com vinho no melhor restaurant­e de Caracas. No fim do ano passado, teriam comprado uma xícara de café. No fim de 2016, ainda compravam ao menos uma xícara de café com leite. Hoje, não compram nada.

Os preços crescem mais de 80% por mês, segundo o Comitê de Finanças da Assembleia Nacional, liderada pela oposição. Os salários ficam defasados, deixando o país em meio a uma fome cada dia mais devastador­a, que provoca os saques. Para sobreviver à hiperinfla­ção, assim que você é pago, deve correr para comprar algo enquanto pode pagar. Encontrou uma lata de atum? Compre. Mesmo que você deteste atum. Você sempre poderá trocá-lo por alguma coisa depois. Como os venezuelan­os sobrevivem? Uma coisa é clara: ninguém no governo está muito preocupado com isso.

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